O Hip-Hop no Brasil tem aproximadamente seus 40 anos e, desde então, já abraçou algumas gerações, tanto de artistas quanto de público. Dos tempos de Sharylaine e Thaíde aos de Ebony e Borges, é natural que uma geração acompanhe seus ídolos contemporâneos. No entanto, para entendermos a totalidade de um movimento, não podemos nos limitar somente aos artistas do nosso tempo.
Os princípios do Hip-Hop
Para garantir a manutenção dos princípios do movimento e sua continuidade, é urgente que o público novo do Rap conheça sua história, seus principais nomes e trajetória, pelo menos no Brasil. Além disso, precisa entender que o Hip-Hop é um movimento fortemente político. Como disse Roberto Camargos em seu artigo MÚSICA E POLÍTICA: PERCEPÇÕES DA VIDA SOCIAL BRASILEIRA NO RAP (2011),
O rap tem sua produção assentada no tempo em que o Brasil sofreu acentuadas transformações que culminaram, em última instância, na consolidação da hegemonia das ideias e práticas de cunho neoliberal.
Roberto Camargos, 2011
As pessoas que construíram o movimento experimentaram os efeitos negativos dessa lógica político-econômica. E é justamente por este fato que o Hip-Hop se estabelece no Brasil com um discurso contundente contra essas práticas. Seja nas letras de protesto ou sobre festas e diversão, o Rap sempre foi reflexo de reivindicações de grupos socialmente minoritários e, em sua maioria, negros. Apagar este fato é apagar a trajetória de todo o movimento cultural.
A disputa mercadológica
E essas cartas devem ser postas na mesa porque, de uns tempos para cá, o Rap (ou parte dele) tem entrado cada vez mais no jogo mercadológico musical e disputado grandes investimentos. O sucesso de raps em plataformas de streaming e redes como o Tik Tok não me deixam mentir. E o esvaziamento de uma cultura é praticamente inerente ao movimento capitalista, principalmente quando estes investimentos vêm daqueles que estão fora dessa cultura.
Para além de atribuir valor sobre “jogar esse jogo”, é preciso cuidado para não colaborarmos com o esvaziamento do Hip-Hop, principalmente enquanto artistas e mídia. Não podemos deixar que a próxima geração não saiba quem é KL Jay, RPW, Dexter, Nelson Triunfo ou a importância da São Bento. Ou até mesmo artistas da “geração seguinte”, como Stefanie e Kamau, como a Genius Brasil bem questionou.
Sobre responsabilidade
É essencial para nós enquanto mídia ecoarmos os nomes dos nossos mestres e realizarmos registros históricos do que aconteceu na cena. E é importante fazer isso sempre se conectando com a geração que está por vir, para que essa comunicação seja garantida. É normal que as próximas gerações não os acompanhem no dia a dia. E por isso a importância da pesquisa e da manutenção da memória dessa cultura.
É super interessante que fenômenos como Kawe e Teto estourem algumas bolhas e alcancem mais pessoas. É importantíssimo o alcance de Matuê, assim como sua campanha de lançamento do disco, mas não podemos limitar o Hip-Hop a isso. E muito menos desatrelar isso do Hip-Hop e isentar as responsabilidades desses artistas e públicos.
O Trap é um subgênero do Rap e o Rap é Hip-Hop. Não tem como desvincular esses elementos. O fã de Trap e Drill precisa entender sobre a história do movimento Hip-Hop – assim como os da antiga precisam dialogar com esse público novo. Mas eu bato na tecla da responsabilidade da geração que está por vir porque o futuro depende deles.
Que o Hip-Hop não sucumba à lógica mercadológica. É importante sim absorvermos e usarmos ferramentas dessa lógica, até porque a gente não vive na Disneylândia e precisamos pagar contas. Mas que não nos tornemos reféns dessa lógica, de forma que isso não vire prioridade no lugar dos princípios do Hip-Hop. Ao invés disso, que passemos adiante os princípios que os algoritmos não conseguem ler.