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Entenda o olhar clínico do Adotado no álbum “Visão”

Trocamos uma ideia com o membro da SoundFoodGang para entender um pouco do processo de criação em Visão, junto com Matéria Prima

A junção de talentos de duas gerações deu a luz a 18 faixas que forma “Visão“, álbum do veterano Matéria Prima que contou com a direção musical de niLL, ou O Adotado, quando se trata de produção. Chegando no fim desse 2020 agitado, o trabalho é um registro marcante de um MC experiente que ainda vivencia novos momentos e descobertas e que encontra uma nova roupagem e estética ao lado do prodígio produtor de Jundiaí (SP).

Contando com um baita time de participações, o disco passeia pelas mais diversas sonoridades, mas sem deixar de ser um disco de RAP. O álbum é um belo cartão de visitas de uma nova era artística da dupla Matéria & niLL e para entender melhor como foi feita está experiência trocamos uma ideia com O Adotado. Vem conferir:

K: Para começar, como surgiu a parceria entre o Adotado e o Matéria Prima?

A: Conheci ele em BH quando fui fazer um show. A gente trocou uma ideia e ele também veio pra São Paulo, onde a gente teve altas vivências antes mesmo de gravar alguma coisa. Comentei com ele sobre uns beats e ele me pediu pra enviar um, depois ele me mandou uma guia e nisso foi a troca num intuito de fazer um disco de oito faixas, mas começou a sair tantas músicas, que se transformou nesse álbum de 18 faixas. Mas tudo aconteceu bem na rua, desde quando conheci o trampo da Matéria eu quis produzir pra ele e quando o conheci surgiu a oportunidade.

K: Então vocês já tinham a ideia de produzir um álbum, mas como foi o processo de definir o conceito e direcionamento do trampo?

A: Depois do primeiro contato pessoalmente, a gente começou a se reunir semanalmente por chamada de vídeo, até que chegamos no ponto que queríamos.

K: O disco então não foi gravado presencialmente?

A: Grande parte dele sim, a gente só deu o pontapé inicial presencialmente, Matéria colou aqui, tiramos umas fotos, gravamos uma faixa, fiz uma direção com ele, mas o bagulho tomou forma mesmo à distância. A fita era, ele gravava lá, me mandava as guias e eu falava: “vamos fazer de tal forma” e gravava de novo. A gente trocava ideia por vídeo chamada no meio da sessão de estúdio e nisso o disco demorou muito pra terminar, quase 1 ano.  

O Adotado e Materia Prima por @mendesculpa

K: Como foi a experiência de produzir totalmente o disco de outro artista?

A: Foi um bagulho especial, foi um projeto de muito significado, pelo fato do Matéria Prima ser um cara que tá na caminhada faz tempo, participou de uns grupos lendários que eu gosto, o Quinto Andar, Subsolo. A parada é que isso pra mim tá sendo uma experiência muito boa. Eu já venho fazendo esse trampo com o Mano Will, só que até então fizemos a mixtape dele e algumas faixas, mas sem um conceito todo, foi diferente. Esse lance de fazer um álbum tá sendo uma experiência muito louca, recentemente fiz o disco da banda NDK e foi louco demais, por ser uma banda inteira que pude explorar a musicalidade. Agora com o Matéria foi legal porque ele me deu a liberdade de acompanhar a composição das rimas, dos versos e refrãos sem problema nenhum.

K: Muitas vezes no rap, a gente pensa que produzir é apenas fazer os beats, mas também envolve todo o processo de direcionamento musical e estético do trabalho. Você teve essa liberdade? Como foi este processo?

A: Então, é uma responsabilidade muito grande, porque você está mexendo com o sonho de outras pessoas, mexendo com as características de outros artistas. Mas por outro lado foi muito divertido e pude ser muito mais ousado nas escolhas de timbre e instrumentais, então pude ter uma liberdade semelhante com a que tenho nos meus trabalhos. Por ser com outro artista que deixa interessante, é como se eu tivesse moldando ele, como um pintor e o outro artista é o quadro, ele vai me dar o espaço e eu vou trazer as tintas. Essa nossa junção acaba virando uma bela obra, vira um quadro lendário que vai ficar exposto em vários museus e galerias.

Eu quero continuar fazendo isso pois é divertido ver o quanto sua musicalidade pode fazer outros artistas evoluírem.

Além de todos esses lados, é uma fonte de renda muito lucrativa, mas sempre em longo prazo. Os investimentos vão ser em longo prazo, o disco vai sair agora e vai continuar fazendo sentido daqui um tempo e depois ele vai fazer um outro sentido totalmente diferente para geração que ouvir. É um trabalho que vai se perpetuar durante anos.  

K: Um dos pontos mais marcantes do álbum são as variações entre rimas e cantos do Matéria Prima, que são muito bem lapidados, você teve influência nesses momentos e como foi adaptar a produção pra fazer esses elementos trabalharem de forma coesa?

A: Foi foda, a gente tinha uma arma muito poderosa em mãos, que era ele rimando e cantando, então acabou virando duas armas. Eu queria que ele cantasse e rimasse neste disco pois seria o momento em que a galera ia ver que ia ter muita rima e cantoria.  Tentamos balancear as técnicas de rima e técnicas vocais pra galera pirar. 

K: De que forma o aprendizado vindo de seus trabalhos anteriores, “Lógos”, da série “Good Smell” e “Regina” floresce nesse trampo colaborativo?

A: Costumo dizer que aprendi a fazer discos a partir do Regina, então eu trouxe toda minha experiência. Falei com Matéria sobre a parte burocrática, a parte de assessoria de imprensa, porque muito MC das antigas não tá ligado e esse lado é super importante e passa despercebido. Também levei em conta adotar uma linguagem gráfica que conversasse com o público, algo que faria a galera se sentir dentro do disco. Esses bagulho fui aprendendo com o tempo e ele (Matéria) acatou, ele falou “nunca ouvi falar disso, como é, como faz e pra que serve?”.

Também tem o lado de articular mais o movimento de redes sociais, essa entrevista por exemplo nasceu disso. Falei muito pra ele sobre o que passei e ele acatou tudo e meu lance é esse, ajudar a galera que eu gosto, admiro e merece, e este é um disco que ele precisava ter na carreira, para todas as gerações verem e falarem “esse cara é foda” e desse jeito conhecerem melhor a obra dele. Esse foi o chamariz pra galera entrar no mundo dele, sacou? 

K: O Matéria faz parte de uma geração fundamental do rap nacional, muito pautada pela sonoridade underground do boom-bap. Como foi o processo de fazer um som que soa atual, mas que não deixa de lado as referências clássicas e as estéticas de trabalhos recentes do MC?

A: Quando a gente começou a fazer o disco o pensamento que tive foi, não vamos atrás de nenhuma referência, não vamos seguir nenhum padrão, somente quando a gente quisesse. De resto a gente foi fazendo de acordo com o que o coração ia mandando, sem ir atrás de referência fazendo com o que tínhamos, mas com o objetivo de trazer uma estética atual, falando de coisas atuais, com refrões alegres e músicas pra cima. Quando colocamos uma música triste, ela teria que ter bastante ideia e a gente foi pensando nisso. 

K: Qual foi o peso e as consequências que o isolamento social causaram neste trampo? Alterou o processo criativo?

A: O Matéria se inspirou muito nesse lance, até tem um áudio em “Vivência” falando disso. A gente foi nessa onda de poder documentar esse momento e quando artistas se permitem a fazer isso é incrível.

K: “Visão” é um trabalho extenso, possui 18 faixas, algo que não é mais tão comum na música. Qual o maior desafio de criar um projeto deste tamanho numa época em que os álbuns ficam cada vez mais curtos?

A: O mais difícil foi segurar a ansiedade do Matéria (risos). O mais difícil foi organizar, no meio de pandemia com alguns estúdios fechando, a necessidade de gravar as músicas e a falta de grana. Ainda assim, conseguimos lançar em dezembro antes de acabar o ano. 

K: A curadoria de feats também foi feita por você? Um dos pontos mais fortes do trampo é como os convidados souberam se adaptar ao conceito e estética do disco, isso veio com seu direcionamento também?

A: Depende muito da proposta, eu consigo preparar a música para um convidado, mas também consigo fazer algo do meu universo com espaço pro convidado e foi isso que a gente fez. Eu participei da escolha de alguns participantes, Delatorvi por exemplo foi um cara que falei com Matéria que eles precisavam de um som juntos.

A Nabru, Joca, Ellen e 1LUM3 foram ideias do Matéria, dei muita liberdade pra ele porque acho que é algo sentimental também, querendo ou não é legal eles terem uma conexão entre si. Ele também trouxe uma galera que somou muito na sonoridade, os baixistas Ravel Veiga e Vinícius Ribeiro, que deitaram. Acabou sendo uma soma de muitos amigos do Matéria Prima e por isso este disco é tão especial.

K: Num futuro próximo será mais comum ver o Adotado produzindo discos de outros artistas?

A: Planos seguintes são surpresas, mas vai rolar um bagulho legal com certeza. Passando a pandemia vamos voltar a nos conectar com nossos amigos e voltar a fazer mais trabalhos juntos. Contratem o Adotado pra produzir seu disco.

Foi uma honra trocar estas ideias com o Adotado, e estamos na expectativa para seus próximos projetos na função de diretor musical. Vida longa, SoundFoodGang, vida longa ao Matéria Prima. O disco ainda contou com as participações de Mano Will e Jamés Ventura, e com a mix/master de Fantasmatik, que também assinou a faixa “Sigo em Paz”.

Confira o resultado dessa parceria, e conta pra gente o que achou!

Se você curtiu do processo de produção que o Adotado nos contou, vai curtir também a entrevista com a Numa e seu “Inferno Verde”

Acompanhe os artistas de “Visão”:

O Adotado

Matéria Prima

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