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Infográfico – A Chegada dos Equipamentos de Produção no Brasil (parte 2)

A evolução dos samplers no mundo e a chegada dos equipamentos de produção no Brasil

PARA, PARA, PARA, PARA!

Se você caiu aqui de paraquedas, essa é a segunda parte do nosso infográfico, que na primeira parte apresentou a evolução dos equipamentos de produção ao redor do mundo. Se você ainda não conferiu esse material clica aqui e dá aquela força pra essa pesquisa incrível que nós montamos!

Se você já viu a primeira parte do nosso infográfico, fique agora com a sequência que vai explorar como os equipamentos de produção chegaram e se proliferaram aqui no Brasil!

Em terras Tupiniquins

No caso do Brasil, a chegada dos equipamentos de produção se dá de forma diferente em relação à gringa. Por ser um país de terceiro mundo, logo um país que enfrentava todos os atrasos e consequência de anos de exploração da sua colônia Portugal, o Brasil não tinha uma produção de tecnologia voltada para a música. Os altos preços e saberes técnicos limitavam nosso país a ter uma linha nacional de machines. Além disso, as lojas não vendiam as MPCs aqui, não era possível importar ou pedir via Aliexpress.

Foi através das revistas trazidas de fora, pelos comissários e comissárias de bordo, que os produtores nacionais conheceram as máquinas e passaram a buscar meios de ter aqueles equipamentos e conseguir chegar próximo a sonoridade produzida lá fora.

Contudo, os artistas daqui não ficaram de mãos atadas aguardando a chegada das MPCs e buscaram formas alternativas de produzir seu próprio som. Aqui, organizamos parte da história da chegada dos equipamentos de produção no Brasil.

Artesanato sonoro - os Beats no Tape de Rolo

Antes da chegada das máquinas, keyboards e softwares de produção, os primeiros produtores de Rap usavam uma técnica artesanal para a produção de beats. Nomes como DJ Hum, DJ Raffa Santoro e Som Três produziram seus primeiros beats (literalmente) cortando e editando fita de rolo. A parada era mais ou menos assim:

  • Você acha seu sample de bateria e grava no tape deck;
  • Após fechar o primeiro loop, você tinha que pegar o take da fita e, usando uma gilete, você cortava esse trecho. Na época esse processo era chamado de fechar um anel;
  • O próximo passo era, usando outro tape deck (ou cassete), gravar uma mixagem entre o loop de bateria e um sample de baixo que você quisesse tirar de um vinil. Esse mix acontecia entre o toca-disco e tape deck;
  • Após esse processo, você tinha a bateria somada ao baixo que você soltou no toca-disco. Agora você fechava novamente o anel e poderia incluir outro elemento usando a mesma técnica de soltar pelo toca e captar a mixagem no tape deck.

A partir dessa técnica as primeiras batidas foram sendo construídas. Tal processo era realizado usando equipamentos como o Tape Deck da Akai 4000 Db.


Clique nas imagens para saber mais informações.

Tape de rolo

O primeiro disco da dupla Thaíde e DJ Hum “Pergunte a quem conhece” (1989), foi produzido usando a técnica de produção a partir do tape de rolo.

A dupla DJ Som 3 e Frank Ejara fizeram uso da técnica de pause e play usando a fita de rolo para produzir suas instrumentais para realizar seus shows ao vivo. Segundo o próprio Frank: 

“Quando a gente (Frank Ejara e Dj Som Três) chegou em São Paulo, vindo do interior, a gente ficou abismado com os grupos cantando em cima de instrumental gringo. Pra gente não fazia sentido aquilo! Nossa ideia sempre foi produzir nosso próprio som. A gente foi a primeira dupla a ter beat autoral sem assinar com uma gravadora.”

Além da produção de Beats usando tape de rolo, vários produtores encontraram novas formas de fazer o som acontecer antes das MPC’s ou Drum Machines. Pensando em Brasil, é importante ressaltar: as máquinas vieram MUITO tempo depois! Confira aqui alguns caminhos que os artistas do Rap nacional usaram para fazer seus Beats.

Commodore AMIGA
(1987)

O ano marca o lançamento do computador Commodore AMIGA. De desenvolvimento Canadense, o computador ficou famoso pelos seus recursos multimídia e multitarefas e por trabalhar com multiprocessadores. O computador AMIGA 500 tinha entrada para um sintetizador de áudio que possibilitou a produção de músicas. Usando um áudio chip, os microdeal, o usuário poderia Emular softwares de produção musical. O programa tinha a possibilidade de samplear sons para o próprio emulador usando outros pacotes de desenvolvidos para a AMIGA além de trabalhar com Keyboards. AMIGA atuava usando sistema MIDI.

ATARI ST104
(1985)

Outro computador que foi amplamente usado nos anos 80 e 90 para produção de Rap foi o ATARI ST104. Lançado em 1985, a máquina era concorrente direto da Commodore e tinha basicamente o mesmo princípio de computador multimídia que possibilita a produção musical por meio de software que também já trabalhavam com MIDI.

E SE EU FALAR QUE

Nomes como Fábio Macari, DJ Cuca e Mad Zoo usaram estes computadores  para a produção de Beats de Rap aqui no Brasil. Faixas dos grupos Doctors Mc ‘s, Sampa Crew, Pepeu entre outros artistas da transição final dos 80 começo dos 90 foram produzidas usando este computadores.

Quem Quiser Ver Doctors Mcs (Mas Zoom)

Desculpa Mãe Facção (Fábio Macari)

LP Equipe Dinamite Instr. Vol. II – faixa DJ CUCA – GET UP Get UP (DJ Cuca)

1985 - Roland W30
(1988)

Outro importante equipamento usado para produção de beats antes das Machines no Brasil foi o Roland W30. Considerado o equipamento que trouxe a revolução dos samplers para o mundo musical, o W30 era uma junção da estrutura do SR-550 com o sequenciador e Keyboard do MRC, ambos equipamentos anteriores da Roland. O W30 também tinha possibilidade de sampler, mesmo que com pouco tempo disponível. O teclado já trabalhava com MIDI e uma opção usada pelos produtores aqui no Brasil era usar dois teclados W30 conectados para aumentar o tempo de sample.

Com a virada dos 90, alguns produtores tiveram acesso às máquinas, ou trabalhando em gravadoras ou de forma independente e os discos começaram a ser produzidos nas MPCs aqui.

Holocausto Urbano
(1990)

O disco “Holocausto Urbanodo Racionais MC é todo produzido usando MPC2000. O disco contou com a produção do 2 Habone, Alexandre e os próprios Racionais. Nessa época, os quatro pretos mais perigosos do Brasil ainda não tinham suas machines.

Ainda.

No caso da produção de beats no Rap nacional, é importante observar que entre o processo de produção usando fita de rolo, Keyboard e Mpcs (em pouco casos), deu lugar, anos depois, ao usos dos Softwares (DAW’s) de computador como FL Studio por exemplo (lançado em 1998).

Eu tiro é onda
(1988)

Produzido por DJ Nuts, o disco “Eu tiro Onda” do Marcelo D2 (1998) foi programado na SP1200.

Operação Diamante (1999)

Direto do interior paulista, DJ Som Três produziu de forma independente o disco “Operação Diamante” na SP 1200. Com Frank Ejara nas rimas, o disco foi produzido em home studio numa época que tal feito não era nem imagino. Com equipamentos próprios e longe de um estúdio profissional ou contrato com gravadora, a dupla produziu um disco com beats próprios e lançou um dos clássicos do rap nacional. Segundo relato do próprio Frank Ejara o disco foi feito em um: “home studio do Som 3 que tinha: E-mu SP1200, Sample Akai s3000xl, Compressores alexis 3630, os toca-discos, 2 gravadores Adat (8 canais) e um Shure SM 58 para voz”.

Fita Demo
(1990)

Também produzido pelo DJ Som Três, o disco  Fita Demo (1999) do grupo Alquimista é outro clássico do Rap Nacional que foi produzido e programado na 1200.

Com a popularização das Machines após alguns dos lançamentos citados acima, boa parte dos artistas do Rap foram atrás de fazer seus beats assim como os produtores faziam nos anos 90. A circulação das máquinas aumentou entre os produtores BR. Sempre um comprando do outro ou dando um jeito de mandar trazer de fora (geralmente algum amigo ou familiar que viajava pra fora). Conheça alguns discos e fatos sobre a produção do Rap pós-2000.

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Eu tiro é onda
(2000)

O DJ e produtor Zegon, aka Zé Gonzales participou da produção do disco “Rap é Compromisso” do Sabotage usando a MPC 2000XL. O disco contou com a co-produção de Daniel Ganjaman e participação de DJ Cia, Mano Brown, Sandrão e Helião no processo criativo.

MTV Music Generator (2000)

Um marco para a produção de Rap no Brasil foram os Beats no videogame feitos por DJ Nato PK. Por meio de um amigo, Nato conheceu o jogo MTV Music Generator para PS1. O jogo tinha uma lógica de sequenciamento semelhante à usada no FL Studio da época. O DJ fez uma cópia do game e começou a produzir Beats no seu videogame em casa. A descoberta maior foi perceber que era possível samplear outros CDs dentro do jogo. A partir daí o DJ começou a produzir Beats no videogame e faixas como “Sem fama e sem glória” do Polemikaos foram pra rua direto do Memory Card do PS1.

O DJ Nato Pk, junto com Blackalquimista, foram os responsáveis por realizar uma revolução nas MPCs em solo nacional. Acontece que as máquinas trabalhavam com floppy disk, os disquetes, para armazenamento dos beats. Porém essa tecnologia dos disquetes já era obsoleta nos anos 2000.


Estudando a máquina e pesquisando, DJ Nato descobriu uma forma de alterar a entrada de disquete para a entrada de cartão SD. As máquinas cobaias para esse upgrade foram as máquinas do Black, que na época já era um colecionador e guardião de várias máquinas lá no ABC.


Tal ação atualizou o armazenamento dos Beats feitos nas máquinas e livrou os produtores de pilhas e pilhas de caixas de disquete. A partir daí o DJ Nato atualizou a máquina do KL Jay, do Mano Brown, do Emicida, do Edi Rock e de muito mais produtores que trabalhavam com as máquinas descontinuadas da Akai (MPC 2000, 2000XL, 3000, etc). Recentemente DJ Nato atualizou as máquinas para trabalhar com micro SD.


Com a virada dos anos 2000 e a chegada das máquinas, discos importantes da cena passaram a ser produzidos usando as MPC’s. Os Racionais compraram as suas e o “Nada como um Dia após o outro dia” (2002) foi produzido ali; Emicida teve a sua e nasceu o “Pra quem já mordeu um cachorro” (2009); DJ Qap lançou o álbum “DJ QAP e sua MPC envenenada” (2008); Kamau com “Non Ducor Duco” (2008), entre outros, aderiram ao usos das máquinas mudando e ampliando a forma de se produzir Rap no Brasil.

Beat Brasilis

Idealizado por Dj Niggas e Raffa Jazz a Beat Brasilis foi um espaço de troca de conhecimentos em torno da produção nas máquinas. Partindo de um bate-papo entre Niggas, Cabes e DJ Marco percebeu-se a necessidade de trocar mais figurinhas sobre a forma de trabalho com as máquinas de cada beatmaker.

De um encontro, passou para dois, surgiram mais interessados, a recorrência se tornou semanal e assim nasceu um dos maiores encontros de beatmaker e MPCs do mundo. Ali, nomes já consolidados como DJ Nato PK desenvolveram mais suas técnicas nas MPCs junto a artistas que passaram a investir nas suas produções pós Beat Brasilis como caso de Frank Ejara e Raiany Sinara. Beat Brasilis foi, e ainda é, um marco na produção nacional.

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Confira alguns conteúdos do Kalamidade que falam sobre a Beat Brasilis!
De Peão pelo legado da casa brasilis e nosso podcast

Técnicos Trabalhando

Desde o início do Hip-Hop aqui até hoje nós não temos lojas autorizadas ou revendedoras das fabricantes das máquinas no Brasil. Por conta desse detalhes a questão que fica é: quando a minha machines apresenta um problema, onde eu levo para fazer a manutenção? A resposta é: liga pro DJ Comum!

Beatmaker de ofício, pesquisador da cultura Hip-Hop e DJ, Rafael Comum é um cara que tem dedicado sua vida à manutenção, reparo e restauração de MPCs. Hoje ele é uma referência e peça fundamental para a cultura.

Outro nome que atua com manutenção das MPCs é o Carioca.

O Guardião do Saber
das MPCs

Nossa cultura Hip-Hop tem seus seres emblemáticos, que suas carreiras estão fortemente conectadas com a história do Hip-Hop em si. Pensando em produção, MPCs e propagação de conhecimento um dos principais nomes no Brasil é o paulista Blackalquimista.

Atuando com MPC desde de 2003, Black é integrante do grupo Alquimista, membro fundador da Pose Hausa (1993), MC, produtor e beatmaker. Black dedicou sua vida ao conhecimento e entendimento das máquinas, colecionou muitas delas e tem um vasto conhecimento sobre funcionamento, workflow e histórias que essas máquinas guardam.

Hoje, Black é uma referência quando o assunto é MPC, tendo ensinado nomes como DJ Zé Gonzales, DJ MiyaB, DJ Cinara e dando aula para artistas de fora do Brasil. Blackalquimista é o guardião de um conhecimento e protetor de um legado do Rap nacional. Se você já conhece, procure exaltar Blackalquimista e se não conhece procure saber.

Nossa cultura deve muito a pessoas como Black que dedicaram e dedicam sua vida para fazer o Rap acontecer.

Agradecimentos

Talvez o Kalamidade não existiria hoje sem tantas mãos fazendo ele acontecer. Primeiro queria agradecer meu clã, minha crew, meus fechamento que estão, diariamente, fazendo esse corre acontecer: Carol Yume, Arthur Garbosa, Estevão Barbosa, Go Magalhães, Isa Rosa, DJ Nobru Izru, DJ Dz, Biatriz Lima, Miguel “Miguelzinhe” Soares, DJ Rua, DJ Neew, Gustavo Silva, João Assunção, Thais Souza, Rodilei Morais e Thiago Nacao.

Agradecer à família e amigos que me apoiam para seguir fuçando em história antiga, vinil véio e contar isso para o maior número de pessoas possível. Também aos manos e minas que tornaram sua caminhada pontes para que nós, os meninos e meninas tudo novo, pudessemos chegar a grandes referência da nossa cultura. Obrigado DJ Nato PK, Dj Niggas, Rafa Jazz, DJ Raffa Santoro, Frank Ejara, Blackalquimista e aos amantes da cultura de rua que fazem a mensagem chegar.

E aí, curtiu essa matéria? Aproveita pra ler a última que saiu aqui no Kalamidade, com uma análise sobre a influência retrô da música brasileira no mundo (e vice-versa), e continue acompanhando os conteúdos GRATUITOS que o Kalamas, a banquinha mais Hip-Hop do camelódromo, traz pra você!

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#02 – GIRO Kalamidade