Samba Rock: Quem não dança segura a criança!

Nascido nas quebradas de SP, o Samba Rock é dança, é música, é movimento e representa a sonoridade genuinamente brasileira

Hoje é o Dia do Samba Rock!

E lá na reunião da redação eu tesourei geral pra pegar essa pauta! A verdade é que eu só existo por conta do Samba Rock! Se liga in my life story!

Meu pai era um amante de música que roda as quebradas atrás de uma festa. Ele já era DJ e na equipe que ele integrava sua especialidade era o Samba Rock. E como bom sambarocker da época ele era um dançarino habilidoso.

Firmeza! Guarda essa info aí.

Minha mãe é cria da Zona Norte (Casa Verde), berço de várias Escolas de Samba. Meu avô materno era montador de carros alegóricos, ganhando prêmio de melhor alegoria em um carnaval de 1960 e alguma coisa. Minha avó (cria do Bexiga), era passista da Vai-Vai e respirava o Samba. Dentro da casa da minha mãe já rolavam sambas e mais sambas. Aniversário? Samba. Casamento? Samba? Roda de Samba? Samba!

De maneira natural o Samba Rock apareceu no seio familiar da minha mãe. Firmeza! Agora vamo pra parte que interessa.

Numa roda de samba de quebradinha os dois encostaram. Meu pai, um homem branco, estava dançando Samba Rock. Minha mãe, uma mulher negra, achou aquilo muito curioso. Nas palavras da própria, ela nunca tinha visto um branco dançando Samba Rock.

Entre uma música e outra meu pai tira ela pra dançar… Enfim né, o resto cêis tão ligado.

Agora pensa comigo: Se meu pai curtisse um hardcore e minha mãe um forró eles nunca teriam dançado um Samba Rock e talvez eu nunca seria concebido… Loco né?

Dessa forma eu só consigo dizer que eu só existo por conta do Samba Rock.

Bom, depois dessa viagem a la Dark vamos falar desse gênero que permeia a história das periferias e se tornou um patrimônio cultural imaterial em 2016.

Que cena é essa de hoje vai contar a história do Samba Rock!

Samba Rock antes de tudo é movimento

Muito se fala do Samba Rock como gênero, mas pouquíssimas pessoas sabem que ele nasce como uma dança. Ali em meados de 1950, 1960 rolavam os bailes de lona ou baile de quintal nas quebradas de SP. Casamentos, batizados, aniversários eram todos regidos por DJs com seus equipamentos tocando o som que a galeria curtia ouvir. Futuramente esse “som que a galera curtia ouvir” se tornou os famosos bailes nostalgia que ocuparam as noites de SP.

Festa de Oswaldo Pereira, no clube 220, no Edifício Martinelli (Foto: Divulgação)

E a sonoridade desse baile era amplamente vasta. Samba, Jazz, Rock ‘n’ Roll, Swing, Mambo, Salsa, Funk estavam ali e foram matéria prima pro nascimento da nossa dança. Alguns chamavam de Rock, fazendo alusão a essa mistura sonora, outros chamavam de Rock paulista.

A verdade é que nas periferias de São Paulo nasce uma manifestação autêntica e particular misturando os passos marcados do Funk com os passos de Rock ‘n’ Roll que ficaram famosos com o filme Grease – Nos Tempos da Brilhantina (1978) estrelado por Olivia Newton-John e John Travolta, Rockabilly, tudo somado ao tempero do Samba. Pronto! Nascia ali o Samba Rock como dança!

<3 <3 <3

DJ que é DJ tem que dançar um bom Samba Rock!

A frase acima me acompanha da mesma forma que leite materno. Por crescer no ambiente de lojas de discos onde meu pai ia buscar seus vinis e CDs, eu ouvia essa frase nas conversas que rolavam com os DJs ali presentes. Particularmente eu tenho mais uma relação afetiva com a mesma do que acreditar, saca? (até porque eu mesmo não manjo levar no Samba Rock). Mas a raiz da frase em questão é muito interessante.

Loja Tony Hits. Ambiente que frequentei muito com meu pai (Gabriel Quintão)

Com o início da cultura de baile em SP o Samba Rock se tornou popular. As festas que aconteciam nos quintais ou salas das famílias periféricas são levadas aos grandes salões pelos primeiros DJs e suas equipes.

Equipes como Chic Show, Black Mad, Os Carlos, Cascatas, Zimbabwe passaram a organizar festas em espaços como o Círculo Militar na Av. Angélica, Club Homs na Av. Paulista, Casa de Portugal na Av. Liberdade ou no ginásio do Palmeiras na região da Pompéia. No RJ, Soul Grand Prix, Cash Box e a Furacão 2000 ditavam os caminhos para o que viria a ser o movimento Black Rio. Essas equipes e seus bailes foram responsáveis por iniciar um processo de empoderamento racial daquela juventude. Trazendo os ideais do movimento black power, black is beautiful, promovendo shows de grandes nomes da Black Music mundial. A semente de orgulho preto e identidade cultural começava a ser plantada.

Nesses bailes você ia ouvir desde Zapp e Funkadelic até Candeia e Clementina. As equipes, compostas por 5 ou 6 DJs, organizavam a noite onde cada um da equipe era especialista em um gênero. A festa começava com um DJ tocando os balanços e Funk, outro passava pelo Samba Rock, chegava nas melodias e terminava com outro DJ da equipe tocando partido alto. O público, assim como em casa, dança o Rock entre esses momentos da festa.

Tudo que acontecia ali vinha de casa, vinha de berço e era familiar para cada um. A música que a equipe X tocava era a mesma que tocava no aniversário de casamento da mãe, a dança que rolava no salão era a mesma do churrasco de domingo com seus primos e tios. Tudo ali era organicamente compartilhado e cultuado por todos. Então olhando por essa ótica, ali naquele contexto, todo DJ que dançava um Rock era DJ. Para além da técnica e pesquisa musical – que se faziam presentes e eram fundamentais – o ponto principal era a vivência.

Agora que temos a dança e o movimento cabe perguntar: E quando veio a música Samba Rock? Nessa história é impossível não falar do nosso Jorge. Mas eu queria abrir um parêntese e voltar para o ano de 1959.

Jackson do Pandeiro

Eu só ponho o bebop no meu samba
Quando o tio Sam pegar no tamborim
Quando ele pegar no pandeiro e no zabumba
Quando ele entender que o samba não é rumba
Aí eu vou misturar Miami com Copacabana
Chiclete eu misturo com Banana
E o meu samba vai ficar assim

Chiclete com Banana – Jackson do Pandeiro (1959)

Uma levada cadenciada de surdo e um tamborim telécutéco, um pandeiro na pegada da embolada, uma viola que lembra as levadas de Chuck Berry e uma sanfona bem no jeito do Forró. “Chiclete com Banana”, composição de Gordurinha e Almira Castilho, gravada por Jackson do Pandeiro, é um bom ponto de reflexão para nossa viagem aqui. Nela, Jackson versa sobre misturar o Samba brasileiro com Bebop americano (vertente de Jazz que você pode conferir de forma mais profunda no Que Cena é essa do Jazz). Só quando os gringos entenderem e respeitarem a música brasileira, aí sim ele vai misturar os estilos. Com esse verso Jackson levanta uma crítica a entrada massiva da cultura americana no Brasil e alerta sobre o sufocamento da nossa musicalidade, caso esse processo seguisse como estava acontecendo.

Jackson do Pandeiro

De forma inevitável a assimilação da música americana aconteceu, mas vale ressaltar a genialidade  e visão além do tempo de Jackson e companhia, que ali já sinalizam que, pra misturar o Bebop ou qualquer gênero com o som do Brasil a equação não poderia ser desequilibrada. A receita perfeita é uma pitada do gringo e uma boa dose de BR. E quem decorou essa receita de um jeito único foi o Samba Rock.

Chiclete com Banana – Jackson do Pandeiro (1959)

Do violão de Ben Jor nasce um esquema novo! O Samba Rock ganha forma

A cena musical em terra tupiniquim era efervescente e a busca por novas formas de produzir se fazia presente ali. A já consagrada Bossa-Nova, vista por muitos como a sofisticação e erudição do Samba de morro, tinha seu lugar cativo e bem estabelecido ali. Movidos por um anseio do novo, começam a surgir movimentos musicais como a Jovem Guarda e a Tropicália mais futuramente. Programas como O Fino da Bossa eram espaços midiáticos para artistas de nova sonoridade aparecerem (o programa de Elis Regina e Jair Rodrigues passava na rede Record de televisão).

Programa O Fino da Bossa, Rede Record de Televisão

Em um desses programas, um dos artistas que ganhou destaque por carregar em si influências da mistura de Rock, Samba, Soul e outras vertentes da música preta, foi Jorge Duílio Lima Meneses, ou apenas Jorge Ben Jor. Nascido em Madureira, Ben Jor é considerado o grande nome do Samba Rock nacional pela sua relação com a música estrangeira e a fusão única que o mesmo produzia com o Samba.

O artista começa sua história na música no Beco das Garrafas, reduto da Bossa Nova carioca. Em uma das noites tocando no Beco, Jorge executou a canção “Mas Que Nada” para uma pequena plateia.

A música chama a atenção de executivos da Philips que assistiam a performance, e a gravadora assina com o artista.

Jorge Ben Jor

Em 1963 o artista lança o disco Samba Esquema Novo que se torna o marco zero da produção de Samba Rock no país. Além de “Mas que Nada”, o disco ainda contava com a faixa “Vem Morena Vem” e “Chove Chuva”. O grande destaque era a forma que Ben Jor tocava o violão nas suas composições. Jorge desenvolveu uma forma sua de tocar o violão que não era Bossa Nova nem Samba, flertava com Rock e Soul carregada de swing.

Dali em diante artistas do entorno de Ben Jor como Erasmo Carlos, Roberto Carlos, entre outros, passam a integrar o Samba Rock nos seus discos futuros. A chegada de Tim Maia vindo dos EUA trazendo influências do Funk Soul, a presença de Simonal e o início da Tropicália foram pavimentando o terreno para que o Samba Rock floresce mais e mais.

A partir daquele momento não só se dançava Samba Rock, mas também se tocava Samba Rock.

A título de curiosidade, Jorge Ben Jor define-se como um artistas de Sambalanço.

Os passos que o Samba Rock deu

Os anos 70 foram os anos de surgimento de grandes nomes da música Samba Rock. Além de Ben Jor, nomes como Branca Di Neve, Geovana, Bebeto, Bedeu, Trio Mocotó (banda que acompanhava Ben Jor), Markus Ribas, Luis Vagner – o guitarreiro – foram fundamentais para a consolidação da sonoridade e serviram como alicerce para o surgimento de outros artistas futuramente. Trazendo temáticas como amor, boemia, curtição, vida cotidiana das favelas e críticas sociais, o Samba Rock passou a ser mais uma voz do sentimento e do dia a dia periférico.

Assim como aconteceu com tudo que é preto nesse país, o Samba Rock sofreu com perseguição dos órgãos governamentais vigentes. Após ganhar notoriedade, o movimento black ganha olhar da mídia e passa a receber ataques diversos. Alguns veículos apontavam o movimento como uma luta pela segregação social entre negros e branco e alertavam do “perigo” de o Brasil, uma sociedade que vivia uma democracia racial exemplar, passar a lidar com os mesmos problemas que vivia os EUA com os Black Panthers.

Ato contra o racismo e fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, em 7 de julho de 1978, em plena ditadura.

O negro brasileiro ter uma identidade cultural pra além da identidade nacional era visto com maus olhos pela ditadura militar. Um salão com 3 mil negros e negras juntos em um baile era vistos como subversão. A cultura preta foi silenciosamente suprimida e substituída pela MPB – gênero visto como representante da cultura popular. O espaço que pertenceu à música Soul, Funk e Samba Rock na indústria fonográfica foi entregue à MPB.

Nos anos 80 e 90 tivemos uma queda na produção de Samba Rock. Queda sim mas desaparecimento não. Nas periferias continuava a se tocar as músicas antigas nos bailes. Coletâneas informais (os famosos piratinhas), sempre mantinha faixas como “Zam Ben” e “Não adianta” em circulação entre os consumidores da MPB (Música Preta Brasileira). Outro polo importante para a manutenção e preservação da música Samba Rock foram as lojas de discos nas galerias do centro de São Paulo.

O Pagode, gênero que nasce em meados dos 90, traz forte influência do Samba Rock nas produções de grupos como Art Popular, Molejo. Artistas para além do Pagode como Ndee Naldinho em “Não Sei Dançar Samba Rock”, Consciência Humana na faixa “Amigo da Infância” também bebem da fonte do Samba Rock para a confecção da sua arte. Também podemos ver a presença do tal Rock nas produções de Fernanda Abreu e Mundo Livre S/A.

Na virada do milênio o Samba Rock volta a figurar nas rádios, boates e paradas de sucesso da indústria musical. Artistas como Seu Jorge, Paula Lima, Clube do Balanço, os irmãos Wilson Simoninha e Max de Castro (filhos do grande Simonal), Funk Como Le Gusta, Sandália de Prata, Os Opalas surgiram com disposição de dar continuidade no legado de produção do Samba Rock nacional.

Além dos palcos, o Samba Rock voltou à noite paulistana pelos decks do DJ Alex Cecci, Don KB, na casa Jive.

Otto, Anelis Assumpção, Curumin, Russo Passapusso, Céu e Bid sofreram influência de toda essa geração anteriormente citada e apresentam isso eu seus trabalhos. O rapper paulista Emicida em seu disco “O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui” deixa evidente que o Samba e o Samba Rock permeiam a sua obra.

No ano de 2016, o Samba Rock foi intitulado Patrimônio Cultural Imaterial de São Paulo pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP). Movimento puxado por Marco Mattoli, músico líder do Clube do Balanço, Jorge Yoshida, dançarino, Nego Júnior, produtor.

Conquista mais que merecida para esse que foi e é um movimento genuinamente periférico e tão representativo. Vindo de dentro do lar de famílias negras, criando uma comunhão entre pessoas que se reconheciam como irmãs, criando identidade, unidade e empoderando negros e negras por meio da arte. Samba é estilo de vida!

Eu só tenho a agradecer ao Samba Rock que me formou e me fez que sou. Os braços trançados no alto são em louvação à sua grandeza.

Dia 31 de Agosto, Dia do Samba Rock!

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