Foto: Isa Rosa

Beagrime

Como o Grime conseguiu se estabelecer em Belo Horizonte através do underground.

Por Isabela Carolina Rosa e João Augusto Porto

A capital mineira sempre teve forte ligação com a cultura britânica, como a cena de Reggae que está presente há pelo menos 20 anos em BH. Isto serve como uma breve introdução para como o Grime conseguiu se estabelecer em Belo Horizonte, começando do underground e hoje se tornando conhecido e respeitado, principalmente durante o período da pandemia.

A primeira edição da Beagrime ocorreu há dois anos, numa quinta-feira, abrigado pela Casa Sapucaí – casa de shows conhecida por receber eventos da cultura Hip-Hop e alternativa. Uma festa que um dia foi totalmente underground, e que atraiu somente seu nicho, despontava na cena de Belo Horizonte. Após esses dois anos de hiato, devido à pandemia de Covid-19, a Beagrime realizou sua terceira edição em 12/11/2021 na casa que os recebeu em sua estreia.

O primeiro evento sobre Grime em Beagá contou com 6 integrantes: 4 DJs Jahnu, JULIAISAPUNK, Larissinha e VHOOR, e 2 MCs Igrow e Well, que também foi o Mestre de Cerimônia do evento, ocorrido em 12/09/2019. Well conta que a festa tinha o intuito de apresentar o Grime ao público, de forma a criar uma atmosfera singular, que fazia a ligação BH-Londres, na mistura de culturas, e assim criando uma forma única de fazer um som.

A Beagrime começou a partir de conversas entre os membros, principalmente entre Jahnu, VHOOR e Well, que compartilhavam do interesse em apresentar o Grime para o público mineiro, e fazer uma festa seguindo a etiqueta inglesa, DJ e artistas no nível do público, sem palco, esbravejando: “Não coloca o copo aê zé”, “olha o equipamento, dá espaço” – palavras de Jahnu, que é DJ há 24 anos, e tem pesquisado a contribuição da música jamaicana no Grime, a forma do gênero colocar todos ao mesmo nível para aproximar o público, e assim criar o  tão conhecido inferninho underground.

Julia e Larissa, não sendo necessariamente do Grime como os outros membros, se agregaram pela conexão com a música eletrônica presente na festa. Com Julia sendo DJ residente e na primeira edição tocando UK Garage, e Grimes do início da década de 2000. Larissa sendo DJ na Posse Cutz, um selo que abrange Rap e música eletrônica, além de organizar eventos. Em uma dessas festas, ela foi convidada por Vhoor para compor o elenco para a Beagrime, que não seria uma festa apenas de Grime, mas traria também os movimentos precursores do gênero para a pista: Dubstep, Jungle, Drum’N’Bass e Garage.

Um dos principais intuitos da festa era criar e assimilar o clima e a cultura do Grime em BH. “Como se fosse levar um inglês para comer tropeiro num jogo do Galo no Mineirão” – palavras de Well. Assim exercendo uma forma de antropofagia cultural, com o Grime se adaptando e absorvendo a cultura de Beagá. O Grime em Belo Horizonte teve experimentações, e se estabeleceu como a criatividade nos beats e nas rimas uma de suas principais características.

No início dos anos 2000 surgia o GRIME, um gênero musical composto de beats 2-step, influenciados principalmente pelo UK Garage, Ragga e Rap, criando flows agressivos e letras que traziam a realidade cotidiana em bairros como Bow, em Londres. Dub, Dancehall, Jungle, Drum’N’Bass e Dubstep também fazem parte das diversas influências presentes no estilo. Hoje, artistas como Skepta, Stormzy e Wiley fazem shows lotados em toda a Europa, Estados Unidos e Canadá. Nesse contexto, surge a beagrime, regada a beats desconcertantes, sintetizadores robóticos e metálicos associados a graves contagiantes, os mc’s Ueu e Igrow comandam o mic, fazendo intervenções durante a noite.

Descrição do primeiro evento disponível no Sympla.

Com estes elementos de antropofagia cultural, fazendo um Grime à moda da casa, contendo os elementos de Belo Horizonte, como o sucesso dos Miami’s há algumas décadas e aos MTGs que também são em 130 bpm, tão comuns no SoundCloud, o cenário musical presente em BH e região, conhecido pela sua posição original dentro do Rap nacional e da música alternativa, possibilitou a exploração de novas musicalidades.

Belo Horizonte está construindo uma forte cena do Grime nacional, com artistas que estão presentes nos últimos grandes lançamentos do país, como o DJ e Beatmaker VHOOR, que esteve presente em 40°.40 de SD9 em 2 faixas do álbum. Esse beat foi apresentado ao público durante a primeira edição da Beagrime. Não parando aí, vemos sua participação em Esculpido a Machado, de Leall, também na faixa nominal do álbum. Podemos observar também  uma colaboração muito forte entre o produtor e Well, que entrega linhas impressionantes sempre com elementos e menções ao design, que nos mostram o motivo de ser uma das referências do cenário não só mineiro mas nacional.

BEAGRIME #003

Após pouco mais de 2 anos da primeira edição, a Beagrime #003 aconteceu na última sexta, 12/11, na Casa Sapucaí, local das outras edições, e apresentou Jahnu, Larissinha e JULIAISAPUNK. Um dos objetivos da festa era que ocorresse a troca e rodízio dos artistas, tanto DJs quanto MCs, para que não se restringisse somente aos criadores, mas sim um evento para a cultura. Isto ocorreu de forma natural, com as adições de Linguini (mandando um set) e AKILA com sets na terceira edição, além dos convidados especiais ANTCONSTANTINO e RUADOIS, composto por Well, Mirral ONE, georgeluqas, Gabrieldvarte e AKILA, que apresentaram integralmente o EP Proibido Estacionar Vol 1.

O evento que um dia foi nichado pelo seu surgimento underground e fresco na cena Belorizontina, agora recebeu um público maior e muito mais inserido na cena. Uma das mudanças das duas primeiras edições, para a terceira foi a mudança do dia, o que antes foi numa quinta-feira, agora foi feito numa sexta, principalmente para poder receber mais público. Produzido pelo DJ Jahnu, VHOOR (que não pode participar dessa edição por outros compromissos profissionais) e Well, o salto de crescimento do público foi um dos elementos essenciais para preservar a cultura do inferninho underground que une em mesmo solo, DJ, MC e plateia. 

Ao trocar uma ideia com Well, produtor e integrante do ruadois, a troca do formato também foi uma das mudanças na última edição. “O que era antes como se fosse um freestyle, DJ soltava um beat e a galera ia rimando, dessa vez foi feito um pocket show, onde nós levamos nosso próprios beats, e previamente rolou um ensaio, o que diferiu, mas não foi uma mudança brusca no formato”. Sobre a produção do evento em si, eles já se sentiam treinados para executar suas ideias, porque tiveram dois anos de hiato devido à pandemia, para construir, formatar e organizar o que rolou nesta terceira edição.

Gabi Gomes, produtora da ruadoisWell e do Mirral ONE solos, passa a visão de como é desafiador o projeto em si para a ocorrência do evento.

Tem sido desafiador e um momento de muito aprendizado. Tudo que construímos é pensado e feito por diversas mãos. E é bastante curioso ver o processo para chegar num denominador comum, tendo pessoas com múltiplas vivências e referências tomando frente da construção.

A festa começou às 21hrs do dia 12/11 com um set incrível do DJ Jahnu, passeando por referências Reggae, Dubstep, Jungle, Drum and Bass, Garage…e foi seguido de um set da Larissinha, que apesar de seguir a mesma linha de Jahnu, possuía também um repertório bem característico dela. Com ambos sendo residentes da festa, mostrando a versatilidade sonora do ambiente que a Beagrime é.

Linguini, que se tornou residente a partir desta edição,  apresentou seu primeiro set na Beagrime, contendo muito Drum’N’Bass e Jungle, em suas palavras, descreveu seu set como “uma história, que pude conduzir da minha maneira, e que pude apresentar uma síntese de boa parte dos gêneros UK e sonoridades que originaram este tipo de música eletrônica (como Dub e Reggae)”. Com o seu primeiro set sendo este, e a sinergia que encontrou com o público, que assumia a frente na controladora para dar rewinds. O público foi um dos elementos mais presentes em toda a festa, vibrando a cada set e percebendo o que estava sendo tocado. Com Julia Is a Punk, foi uma parada diferente, com ela trazendo um set mais dançante, com muito Dubstep e Drum’N’Bass, trazendo sua assinatura para a festa que ajudou a criar.

Já o set da AKILA, que mesmo com alguns problemas técnicos (o PC não queria ligar), conseguiu fazer uma apresentação que para ela foi muito importante, com a presença de um público que a conhecia e tinha ido para vê-la também. “A sensação foi de euforia, quando todo mundo começou a cantar, dançar, pular, o chão tremendo, eu fiquei mano que doidera que doidera”, palavras da DJ que durante seu set compreendeu muito mais os sons de Well e da ruadois, que a mesma faz parte, tocando por completo o EP Proibido Estacionar Vol.1.

Foi ótimo para mim pois há um tempo eu queria tocar na Beagrime, sendo uma referência para mim, mas como teve a pandemia eu não consegui. Aí foi uma sensação muito prazerosa de fazer parte desse movimento todo que começou tem uns 2 anos, e aí conseguiu retornar daquela forma né, com a casa cheia e a galera cheia de energia. E saber que a galera também tá fragando mesmo as músicas, o que é o movimento mesmo, Grime, Garage, Drum’N’Bass. E na hora que o Linguini tocou, que isso por mais que eu não consegui acompanhar porque eu tava resolvendo a parada do meu PC, comecei a ficar mano o que é isso, o Linguini tá detonando. E foi sensacional, eu só tenho a agradecer os meninos do Proibido Estacionar por ter me colocado nessa e ao Jahnu também por ter me deixado tocar, fazer um set, e foi só sucesso.

Palavras da DJ AKILA

ANTCONSTANTINO que entrou logo após a AKILA, entregou uma de suas performances características, com muita inventividade e colocando versões novas de clássicos para tocar, como Lady Gaga, Azealia Banks e Justin Bieber, particularizando seu set que passeia por todos os componentes do Grime de forma original e genuína.

O público foi o grande diferencial dessa terceira edição da Beagrime, sendo um receptor ativo e participante da essência do evento. Com o crescimento do público, a festa aumentou, e necessitou de mais atrações que pudessem compreender o contexto da festa e segurar o público. Uma das principais habilidades que um DJ pode ter é como ler as reações da plateia ao seu set. Na terceira edição da Beagrime, a postura enérgica dos DJs foi essencial para que o público se inserisse e fizesse parte do set numa completude. Linguini deu o papo de como a postura do DJ se faz necessária em uma festa que abrange os conceitos do Grime, UK Garage, etc.

Quando você vê o público se envolvendo junto, porque não existe esse negócio de fazer o set sozinho e não depender do público, o público move, e eu me animei por conta do público então foi uma troca muito doida…

Já Well descreve a sensação dessa terceira edição como, “a melhor possível, um misto de emoções, voltando de toda maluquice que estamos passando, e que estamos superando, e vendo como depois de dois anos sem fazer a parada continua viva, o rolê expandiu e ficou maior. Eu ter visto as pessoas interagindo com o rolê em geral foi muito foda…a sensação que eu fico foi de dever cumprido, de bônus, de ter entregado uma festa foda, ter curtido fazer um rolê que eu queria fazer, que eu gosto, refletindo várias pessoas, e isso foi uma vitória tanto pra mim, quanto pro Jahnu, quanto pra Julia e todas as pessoas que estavam lá!”.

A maneira como o Grime cresceu em Belo Horizonte, é um testemunho de sua inclusão – deveríamos celebrar a música como um verdadeiro sinal de que a capital mineira é um difusor de referências sonoras mesmo que underground. Sim, o som pode ter vindo das ruas da classe trabalhadora de East London, 15 anos atrás, mas sua capacidade de seguir as esquinas de BH simboliza exatamente por que a sujeira não pode ser confinada a um entendimento tão simplista de ‘música importada para as ruas do eixo São Paulo – Rio de Janeiro’. O Grime pode ser para todos, sua disseminação é inevitável, então não o contenha.

Leia Mais
A cena do Breaking no Brasil | Música Impopular Brasileira #1