Uma das beleza da profissão de jornalista independente (que o sindicato dos jornalistas não venha atrás de mim agora) é poder produzir conteúdos relevantes para mim e para os meus, sem ter que pagar pau pra ninguém e saído direto do coração de um descompromissado amante da boa música! Dito isso eu trago aqui minhas sensações do dia 01 do Coala Festival!
!!!!!!!!!!!!! ALERTA !!!!!!!!!!!!!!!
Esse texto está altamente embebedado de sentimentalismo saudosista e musicalmente nacionalista, pesadamente posicionado à esquerda e descaradamente fadado a terminar de uma forma romântica, deslumbrada e levemente cafona (para alguns olhares mais rudes).
O evento
Nos dias 16, 17 e 18 de setembro rolou a oitava edição do Coala Festival no Memorial da América Latina, na região oeste de São Paulo. Essa foi a primeira edição após todo o período de isolamento social devido à pandemia de Covid-19 (se você que está lendo ainda não trincou sua vacina #04 tio… vai lá fazer a sua e depois volta pra terminar o texto!).
Trazendo para o palco um lineup com alta diversidade de estilos, o público pode curtir desde Peroli, Rodrigo Amarante, Ana Frango Elétrico, passando por Negro Bala, Tasha & Tracie, Brime, BK’, chegando a Alceu Valença, Gal Gosta, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Djavan (o maior que temos <3<3<3), em três dias que tinham como função evidente celebrar o poder e a beleza da música.
Além do palco principal, o festival apresentou o palco Coala Club, dedicado exclusivamente para DJs e produtores conduzirem o evento entre DJ Sets dos mais variados estilos. Lys Ventura, Gabto, Afrekassia, DJ Th4ys e outros nomes soltaram suas waves por lá. Importante pontuar a presença de DJs e produtores da cultura Hip-Hop no palco principal do Coala 2022. Nomes como Deekapz, DJ Cianara, Discopédia e KL Jay (A.K.A o maior que temos!) representaram a classe no final de semana de evento.
No quesito infraestrutura foram pontos positivos e negativos a serem ressaltados. A chegada até o portão de acesso foi tranquila, o e-mail de confirmação do credenciamento dizia portão 12 e ao buscar orientações com funcionários eles, estavam bem informados e aptos para orientar a galera. Outra postura que achei bem interessante foi posicionar pessoas com placas dentro do terminal Barra Funda, um dos principais pontos de chegada do público. Placas de “Coala por aqui” ajudavam na saída do trem ou metrô.
Parabéns aos envolvidos!
Agora, a clássica entrada da imprensa foi um ponto de falha da equipe de produção do festival. Ao chegar no portão 12 eu consegui pegar minha pulseira de boa, mas na hora de passar pelos seguranças, apresentar a carteirinha de vacinação e etc., ninguém ali sabia onde era a entrada da imprensa. Ao passar na revista, o segurança disse que não precisava apresentar a carteirinha da vacina. Ao passar por ele, o funcionário que me atendeu pediu a carteirinha e o ingresso. Quando mostrei a pulseira de imprensa ela me mandou para o corredor do meio que era a entrada da imprensa. Voltei tudo e fui até o corredor do meio. No corredor do meio, outra funcionária me pediu o ingresso… de novo voltei até o último corredor, mostro a pulseira e consigo entrar finalmente. Essa situação não acabou com meu dia ou fez o festival menos divertido, mas apresentou uma desinformação grave num setor importantíssimo do evento, a entrada!
Outros aspectos positivos do evento foram a proximidade do banheiro com o palco principal e a vastidão de barracas de serviços espalhadas por todo o memorial. Do momento que cheguei no festival até o final eu não vi nenhuma fila para pegar uma bebida, por exemplo. O número de pessoas que estavam na função de caixa eletrônico era bem grande e isso facilitou muito as coisas.
Rolando uma melhor comunicação entre a produção e os funcionários para evitar idas e vindas na hora da entrada, o evento ganhará muito em qualidade e empatia para as próximas edições.
Os Shows do Coala Festival
Devido ao horário de início do rolê, só consegui pegar os shows no pós-horário comercial (um adendo pra você que organiza festivais e está lendo esse texto. Não comece um lineup às 14h em uma sexta-feira que não seja feriado!). Cheguei no espaço no meio do show do Gil e dali já consegui sentir uma energia que só ganharia mais e mais força durante o decorrer do evento.
Comemorando 80 anos de idade – mais de 60 de carreira – o que se pode sentir de cima do palco era a entrega de um artistas que, da sua forma, tinha a leitura do que o país precisa depois da onda de golpe político + ascensão de um neofascismo pentecostal, conservado e heteronormativo + pandemia + quatro anos do pior governo da história da humanidade.
Acompanhado de uma banda primorosa conduzida com maestria por Ben Gil, músico, produtor e filho do homi, Gil entregou a força de sonhar com um futuro melhor que o atual presente permite. Nunca antes as letras, rimas e arranjos foram tão importantes e necessários como os apresentados no palco do Coala.
Com a experiência de quem viu vários Brasis, Gil trouxe uma reflexão que alugou um triplex de luxo na minha cabeça até hoje:
O tempo é rei!
O músico, compositor, multi-instrumentista, ativista exilado pela ditadura de 64, ministro da cultura no governo Lula de 2003, pai e avô sabe que não vivemos tempos fáceis. Mas Gil sabe melhor que ninguém que o tempo é o melhor guia na busca de caminhos menos intolerantes e violentos para nossos futuros dias.
Vale ressaltar que tempo é uma entidade do candomblé Ketu chamada Iroko. Se ressaltarmos que Gil é filho de Xangô, orixá que no candomblé é visto como orixá da justiça, percebemos que a frase o tempo é rei ganha outras nuances e que nada ali foi – nem é – por acaso.
A música Aqui e agora do disco Refavela (1977), é o plano de fundo perfeito para a aura em torno desse encontro que tivemos com essa mestre. Todos cantando em coro os versos me fizeram ter um leve alento de como podemos ser mais um só como sociedade.
Aqui de onde o olho mira
Agora que o ouvido escuta
O tempo que a voz não fala
Mas que o coração tributa
Como bom hitman, Gil soltou seus clássicos e ainda não tinha como! Até quem não sabia cantar, cantou junto. Anda com fé, Esperando na Janela, Babá alapalá e a já eternizada Three Little Birds levaram o público a um outro patamar de euforia!
Gil é mais Mestre de Cerimônia que muito MC que anda por aí.
Energia, aconchego, sabedoria e música boa! Gilberto Gil no Coala Festival foi, como diz nosso mano Nobru Izru, cafuné pros ouvidos!
Com o cair da noite o mestre Gilberto Gil passou o palco pra dupla de produtores de Campinas, Deekapz! Bem ao estilo Kenan & Kel, Pink & Cérebro, Bebeto & Romário ou qualquer outra dupla famosa da cultura pop, Paulo Vitor e Matheus Henrique cumpriram primorosamente a missão de não deixar ninguém parado!
O duo ganhou destaque nacional a partir dos trabalhos com o rapper Baco Exu do Blues na faixa Banho de Sol de 2018. Logo após, vieram as parcerias com BK’, Akira Presidente, Criolo, Daniel Ganjaman, entre outros. Mas os caras já vinham fazendo barulho no bom e velho soundcloud e chamando atenção no underground com suas produções que buscam forte referências no House, EDM, Funk e Drum ‘n’ Bass, misturados à música brasileira.
Ponto importante aqui, em 2017 eles já tinham feat com ninguém mais, ninguém menos, que a gigante Pablo Vittar e Tropkillaz! É naqueles pique os moleque, né?
No palco do Coala festival os DJs/produtores embalaram a galera com hits como BREAK MY SOUL da rainha Bey e passando por algum dos seus clássicos como Tim Maia Sussego (Remix) e Vice Versa! Mas o ponto ato do set foi a faixa Alcione – Você me Vira a Cabeça (Deekapz AfroBeat Remix). Isso porque a Marrom estava confirmada como atração da sexta-feira, mas teve que cancelar seu show por motivos de saúde (para seu lugar, Gil completou o line).
O cuidado e carinho dos dois artistas em fazer Alcione presente naquela noite me chamou muito a atenção. Saudar quem veio antes é cultura negra até o caroço! Quando você conhece de perto você pede a bença, quando voçê vê num evento você abraça, você agradece, você exalta e faz uma fotinha. Agora quando você cresce vendo aquela(e) artista na sua formação musical e você é um beatmaker, tu sampleia a obra daquela referência e eterniza aquele som por gerações e gerações!
Depois dos 220w de energia que o Deekapz deu no público o palco foi inundado pela grande presença da talentosíssima Mayra Andrade. A cantora cabo-verdiana de 37 anos de timbre único e extremamente afinada, ganhou o público na primeira nota da música Afeto, seu maior sucesso. Ostentando uma linda barriga de futura mamãe, Mayra tinha a plateia na sua mão e fez um show impecável do começo ao fim. Mayra carrega no seu trabalho influências musicais diversas. Nascida em Cuba a cantora cresceu entre Senegal, Angola, Alemanha e Cabo Verde e todos esse lugares aparecem em sua obra.
Cantando em francês a artistas estava leve no palco e trouxe uma performance cheia de nuances, beleza e cores para nós. Manga, Comme s`il en pleuvait, Segredu e Terra da Saudade foram outras faixas que desenharam as formas da apresentação de Mayra.
E se alguém ali anda acreditava que o autotune seria apenas para corrigir vozes desafinadas, Mayra fez questão de destruir essa máxima ao cantar a faixa Tan Kalakatan!
Usando uma machine (não consegui ver qual era o equipamento) para controlar a mandada do efeito para sua voz, a artistas brincou com toda a sua extensão vocal ao mesmo tempo que integrou sua voz junto à banda como mais um instrumento. Uma performance memorável de uma das artistas mais promissoras da musica mundial!
Com muito talento e qualidade Mayra entregou a bola para o grande maestro da noite. Vestindo a 08, no meio campo conduzindo todo o ritmo do jogo, Kleber Geraldo Lelis Simões subiu ao palco e disse com todas as palavras:
Boa noite a todos! Meu nome é DJ KL JAY!
Falar do currículo de KL Jay é falar sobre um dos grandes músicos que a cultura Hip-Hop tem a seu favor. DJ do maior grupo de Rap do Brasil, produtor musical e beatmaker, empresário líder do selo KL Música, colecionador de vinil, DJ da festa Sintonia em parceria com seu filho DJ Will, seu irmão DJ Ajamu, fundador do emblemático selo 4P ao lado do rapper Xis entre outros feitos que merecem um texto só para eles.
KL trouxe para o palco do Coala um set eclético entre as vertentes do Rap, passando por Trap, R&B, Dirth South, House que preparariam o terreno para o grande nome da noite.
Num dado momento da sua apresentação, KL disse ao público:
Isso aqui não é uma balada! É a abertura do show do Djavan! Eu aqui sou seu piloto nessa viagem! Então tripulação, vamos conhecer as músicas que foram influência na vida do grande Djavan.
A partir desse momento, Kleber abrir seu HD e trouxe sons de Nelson Gonçalves e Angela Maria que são referência para Djavan na produção da sua obra. De uma maneira muito habilidosa, KL Jay mostrou uma das facetas que mais me alimentam na função DJ: o ato de apresentar músicas ao público e transportá-los por meio dela para outras épocas e estéticas sonoras que vão e vêm durante o passar dos anos.
Mais uma vez, o mestre KL Jay provou toda sua habilidade quando o assunto é música! Ele entregou um público extremamente quente para o show final da noite, ao mesmo tempo em que fez jus à ideia de que uma boa história está gravada em discos. Se nossos discos são livros, KL Jay é um ótimo contador de história.
Chegamos ao último show da noite! Particularmente o mais esperado por esse que vos fala. Sim, você está falando com um fã descarado da obra de Djavan, mas pra mim foi muito interessante perceber o efeito da música de Djavan nas pessoas. Ao meu redor eu via pessoas jovens e pessoas mais velhas cantando a plenos pulmões, faixas que fazem parte de uma playlist (inconsciente) coletiva social.
Sina, por exemplo, – música que abriu o show – faz parte da vida de muitos e muitas ali. Seja pela sua pegada tropicalistica de música brasileira e cheiro de vinil para alguns, ou pela memória recente dela tocando no horário nobre da novela Belíssima em 2006 na TV Globo, a faixa estava na boca do povo! Porém, Sina não era a única que fazia parte desse fenômeno. Azul (com participação maravilhosa da perfeita Liniker, que quebrou as pernas de geral), Cigano, Acelerou, Flor de Lis, Samurai, eram músicas que Djavan poderia facilmente deixar apenas o público cantar que o coro rolaria de ponta a ponta.
Outro ponto que merece destaque na apresentação foi o trabalho de luz e projeções durante o show. Com artes que remeteram fortemente a culturas negras como pinturas de pescadores, orixás e elementos da natureza brasileira, Djavan apresentou – de forma subjetiva – um posicionamento político perante a atual situação do país. Após polêmica com possível voto em Jair Bolsonaro em 2018, o artista quis dizer de maneira poética que junto de si ele carrega elementos, crenças e inspirações que resistem a ideologias de violência e aniquilação, diferente que o atual presidente carrega em suas falas e ações. Djavan fez questão de dizer por meio das artes que compunham o cenário digital do seu trabalho que sua raiz e fonte de pesquisa é a diversidade do povo brasileiro, seus mitos, crenças que viram música nas mãos desse alagoano de 73 anos.
Djavan construiu e constrói sua carreira cantando o amor. O amor físico, o amor como ideologia, o amor como troca e isso se fez presente em cada instante do show. Assim como Gil no começo da noite trouxe para nós a esperança como ferramenta de mudança, Djavan soma o amor como ferramenta de recomeço e reconstrução de futuros dias. Como fechamento da noite o artista apresentou a faixa Iluminado do seu mais recente disco D. Faixa essa que fala do seu amor familiar e é intepretado por filhos e netos do próprio Djavan!
O dia #01 do Coala Festival me trouxe muito a beleza das coisas feitas em comunhão e coletivo! Olhar pro lado e cantar versos de músicas com pessoas que você nem conhece, conseguir se reenergizar após uma semana de trampos e stress e SP a mil e plantar sementes de novos tempos que não tardaram a germinar (vote 13 por um Brasil melhor), é mais uma prova do poder de mobilização e transformação que a música tem.
Eu fecho o texto reafirmando que o ser humano é um ser genuinamente sociável e que a música é nossa alma coletiva em ação.
Até mais ver num outro encontro que só a música pode proporcionar!