Mano Brown
Mano Brown

Eu tenho ódio e sei que é mau pra mim

E como o ódio pelo ódio, direcionado para dentro do próprio movimento, pode ser contraprodutivo

AfiliadoAcme Inc.

A digna raiva é uma arma revolucionária. Mas e o ódio voltado para o próprio movimento Hip-Hop, tem espaço? A ideia inicial deste texto era falar sobre o MC Brinquedo. Mas aí lembrei da Ebony, da Summer Walker, do 50 Cent e da Ludmilla em seu tweet recente. E percebi que o buraco é mais embaixo e o assunto mais complexo.

O Hip-Hop está mudando

É fato que o rap está mudando. Tanto na forma quanto no conteúdo, o Rap e a cena do Hip-Hop estão mudando. Só não muda na potência e na capacidade de dar voz à minorias reprimidas e oprimidas, revolucionando e conquistando espaços que antes nos eram negados.

O Hip-Hop e os artistas, como afirma Roberto Camargo em Rap e Política, estão cada vez mais politizados e conscientes do quanto incomodam. E taambém estão cientes, mesmo que não assumidamente, dos seus papéis como críticos da realidade, tornam-se catalisadores de enfrentamentos e mudanças na prática social. Porém, é fato também que fica cada vez mais difícil viver on-line.

Se um like serve ao ódio, bro, nesse episódio
Breve o bom sendo diz respire um momento

Emicida – Pequenas Alegrias da Vida Adulta

O problema é um velho conhecido: o respeito. E falo do respeito no sentido mais amplo da palavra. No sentido de ter consideração pelo trampo e pela ideia que o artista está querendo passar. Ou até mesmo, em último caso, o respeito pelo corre e pela história da pessoa.

Do mesmo modo, Cactu.mp3 disse em um vídeo que, apesar da internet não representar de fato a vida real, muitas pessoas, e principalmente os mais jovens – por terem crescido em um contexto digital – vivem a vida assim como o Sr. Anderson vivia na Matrix. Criando uma percepção descolada e por vezes distorcida da realidade, dos valores, vivências e experiências que definem o que é real. Fato é que com a explosão das redes sociais, ao mesmo tempo em que ficou mais fácil se aproximar dos artistas e diminuir distâncias também ficou fácil destilar ódio.

Mas não era assim

Nascido como grito de protesto, o Rap no Brasil se popularizou retratando, através de seus elementos, a luta cotidiana pela sobrevivência. E é por isso que como bem falou o Matheus, em É crucial que o rap fale de/sobre amor, o Rap aqui é compreendido como um gênero raivoso demais, explícito demais e violento demais.

Raiva e violência eram formas de expressar o estado de alerta constante, o cotidiano de violência estatal. Eram respostas agressivas e explosivas retratando como era sobreviver no inferno. E para sobreviver é preciso de ser forte; para ser forte, é preciso ser viril e para ser viril em última instância, somos machistas.

E falo no machismo utilizando o conceito mais amplo dele, de um sistema de preconceitos que exerce uma função social de controle e dominação. Parte essencial do sistema de opressão-exploração-dominação no qual nossa sociedade foi construída, exercendo uma pressão tão forte para que sejamos tão duros que a vulnerabilidade só pode ser demonstrada quando Jesus chora

E agora?

Meu intuito com esse texto não é falar que o Rap deve ser mais brando. Seria inocente demais pensar isso. Audre Lorde, Che e outras figuras falam sobre a importância da raiva como ferramenta revolucionária, e é através da raiva e da indignação que movimentos se mobilizam até hoje para conquistar espaços de direito na sociedade. E o Hip-Hop é sobre isso.

O Hip-Hop tem como um de seus pilares a conscientização, e é por isso que nós não podemos nos alienar. Devemos estar sempre cientes de todos os significados culturais que estão por trás do que vemos, ouvimos e falamos. É necessário reinterpretar questões, expandindo nossa visão sobre o significado do que é consumir e pertencer a esse movimento. 

Quebrada Queer

.

Vivemos em uma época em que os Racionais deixaram de cantar músicas machistas e Mano Brown canta sobre sentimentos. Djonga e Hot e Oreia falam sobre machismo. Criolo reescreveu “Vasilhame”. Dexter, Black Alien, Future e Kid Cudi falam abertamente sobre depressão e vulnerabilidade. O Grammy Latino foi para um álbum que tem saúde mental como tema principal.

E, se hoje Rap Plus Size, Rico Dalasam e Quebrada Queer tomam cada vez mais espaço, é porque outras pautas também precisam ser discutidas. É porque o próprio movimento percebeu que essas vozes se somam e dão mais força, mais potência ao Hip-Hop. O ódio pelo ódio, direcionado para dentro do próprio movimento é contraprodutivo. É repressão. Enfraquece e silencia, assim como os casos que mencionei no início. 

Eu aprendi que o Hip-Hop nos faz mudar um hábito, uma mentalidade, pra depois mudar nossa realidade – Emicida


Definitivamente, esse tipo de debate se faz cada vez mais necessário e presente. Da mesma forma, devemos sempre lembrar do nosso papel como agentes de mudança, intervindo na realidade, mesmo que dentro da nossa própria “bolha”. Afinal, o coletivo parte do indivíduo.

Menos ódio no hip-hop

.

Leia Mais
7 apps pra quem ama música