Entre a caneta e a produção: conheça o Jovem Obama

Trocamos uma ideia com Jovem Obama, um MC e produtor do Capão Redondo que mostra que a cena independente da quebrada continua a todo vapor

Do Capão pro Mundo

É fato que o Capão Redondo ganhou a atenção da mídia e da sociedade brasileira graças ao trabalho fenomenal dos Racionais MCs. Os artistas que, no final dos anos 90, botou um holofote na desigualdade social e na política genocida que atingia o bairro. Capão, na época, era um dos bairros mais perigosos do mundo. Pois bem, o tempo passou e infelizmente a maioria dos problemas do Capão continua existindo.

Entretanto, esse ambiente nocivo e potencialmente homicida para a juventude da quebrada não fez ninguém abaixar a cabeça. Muito pelo contrário: através da arte, da educação e da cultura, MILHARES de jovens daqui se impõem diariamente contra essa lógica que os impede de viver plenamente.

O Jovem Obama é uma dessas figuras promissoras da cena na região, e faz parte da galera que usa a arte como uma postura de combate. Ao mesmo tempo, a utiliza como ferramenta de trabalho para fazer o seu corre.

Por essas e outras, o papo de hoje é com ele!

Sobre o Jovem Obama

Kalamidade: antes de mais nada, para começarmos esse papo é necessário que as pessoas te conheçam um pouquinho melhor. Quem é o Jovem Obama? Como o Hip-Hop entrou na sua vida e o que você espera alcançar com ele?

Jovem Obama: O Jovem Obama em específico é o meu ser como MC, tá ligado? Quando eu entrei no Hip-Hop, entrei como produtor e produzia meus amigos. Mas com o tempo, comecei a fazer música por necessidade porque eu queria aprender a me expressar melhor  […] eu nunca quis me colocar na frente do holofote como uma boa parte dos MCs da cena, mas virar um MC (e produtor também) era necessário para que eu alcançasse as coisas que eu queria alcançar com a minha arte.

O Jovem Obama é isso, um lembrete de que eu também preciso pensar em mim, sem deixar de apoiar os sonhos dos meus amigos e sem esquecer de que a minha música, a Trap House (festa produzida pelo MC em seu estúdio), e a música que eu produzo também pode mudar a vida das pessoas.

K: Você se distanciou dos palcos por um tempo para focar sua carreira na produção e recentemente voltou a atuar como MC. Como foi esse processo de imersão na produção em tempo integral, e como está sendo o seu retorno aos mics?

J: A transição foi um tanto difícil porque quando você está na produção, trampando com outras pessoas, você também absorve os problemas dessas outras pessoas, coisa que não acontece quando eu tô no palco como MC, tá ligado? […] focar em ser MC permitiu que eu passasse a pensar mais no que eu quero pra mim sem levar em consideração a influência dos gostos das outras pessoas que eu produzo na minha vida.

Agora que eu voltei a ser MC, me sinto mais leve!

K: Para quem não sabe, até pouco tempo atrás você se identificava como Mano Judão, tendo inclusive diversos materiais na internet com esse pseudônimo. O que mudou do Mano Judão pro Jovem Obama?

J: O Mano Judão é a figura do produtor e o Jovem Obama, do MC. Com o tempo, eu pretendo focar mais na minha carreira como MC, porque querendo ou não, a tendência é que a produção fique cada vez menos presente na minha vida. O meu plano é reduzir as minhas produções com o tempo […] e como eu disse, a diferença entre um e outro é que ser o Jovem Obama me deixou mais “leve”, com o sentimento de liberdade artística pra fazer o que eu sempre quis.

Somos a Sul Gang!

K: Não tem como não comentar sobre a sua Mob, né? Fala um pouco para gente sobre a Somos Sul Gang!

J: Bom, basicamente a Somos Sul Gang é uma Mob, composta por produtores, MCs, assessores e profissionais do audiovisual aqui da quebrada, que surgiu da vontade de unir amigos que amam o Rap em prol do mesmo […] hoje, eu e o Yque (produtor executivo da SSG e MC) somos os pilares da banca. Também temos o nosso estúdio na minha casa (SSG Records), estagiários e algumas outras funções organizadas de acordo com o nosso cronograma de produção.

Somos Sul Gang: a prova de que a falta de recursos não justifica má organização

K: E como funciona o corre de uma mob independente no Capão Redondo? Tem alguém entre vocês responsável por produzir os clipes, sons, divulgação, merchan, ou geral faz de tudo um pouco?  

J: Fazer uma mob acontecer, principalmente no Capão Redondo, é um trabalho que exige cooperação de muita gente, mas tentamos deixar tudo bem organizado por aqui. Por causa da pandemia e de alguns outros fatores, nós temos trabalhado com parcerias feitas com outros coletivos e profissionais da cena.

Temos fechado a parte do audiovisual com um leque de profissionais incríveis mas nem sempre dá pra deixar tudo nas mãos deles, porque às vezes tá tudo muito corrido, então acaba que eu também atuo na direção de arte e edição dos clipes. Também temos o nosso DJ BSG, que eu estou ensinando a mixar agora e logo menos ele vai mixar sozinho e suprir essa necessidade; o Yque, que começou a fazer uns clipes e toca a parte de direção executiva, e por aí vai. É um p*ta corre, mas vale a pena.

K: Recentemente você e a sua banca soltaram a cypher “INFAME”. Como foi o processo de criação desse som e como você soube quais eram os MCs ideais pra participar dele?

J: A cypher fazia parte do álbum “Superman”, que eu tenho com o Yque e que tá previsto pra ser lançado em 2021. Eu a produzi de acordo com o beat e fui chamando os MCs da banca.

A primeira a ser convidada foi a Lotus Bad Queen, que já chegou metendo o terror com a caneta dela e amassando no verso. O segundo beat eu fiz pra mim, mas num primeiro momento segurei o meu verso pra escrevê-lo com calma e garantir que ele viesse pesado, e aí fui trabalhando em outros aspectos do som.

Foi quando eu pensei no Chris i15 e entrei naquele pique de trazer um beat mais aberto no estilo Miami Bass. Só que o Chris ouve um beat e não consegue parar de escrever, aí ele pegou e escreveu o beat inteiro e não deixou espaço pro Crazy, outro MC que ia colar com nóis. Na virada do som, bateu aquele boombapzão e não tinha como dar outra. O Yque colou com o verso dele e fechou a cypher com chave de ouro.

Inspirações e processo criativo

K: Após retornar do hiato, sua fonte de inspiração mudou muito? Se sim, qual foi a principal diferença que você notou no seu processo criativo depois de deixar a caneta de lado por um tempo?

J: O meu processo criativo sempre foi pautado na minha vida, assim como a maioria das pessoas da cena. Eu passei por um período em que tive muitas perdas enquanto produzia como Mano Judão, então, por um tempo todo o meu processo criativo era baseado em coisas negativas […] e quanto ao Jovem Obama, como eu falei, hoje eu tenho mais liberdade. Passar por tanta coisa me fez ter autocontrole e noção do meu potencial. Por isso que, mesmo ainda tendo as minhas feridas e problemas, hoje eu procuro produzir o meu som explorando o meu potencial através da inspiração que eu consigo absorver de situações mais “positivas”.

K: Se pudesse escolher uma referência da velha e uma da nova escola para definir o seu som e sua postura como artista, quais seriam e por que?

J: Olha, eu diria que sou uma estranha mistura de Drake com Mano Brown. No Drake eu enxergo muito a questão da produção, desse entendimento mais técnico, o que faz com que eu me identifique bastante com ele. Já na figura do Brown eu me identifico com o discurso, com a visão politizada da vida, com as posturas que ele adotou ao longo da vida e com as letras que ele escreve.

K: Você com certeza tem algumas referências na cena independente do Capão, não é mesmo? Faz umas indicações de som aí pra nóis!

J: Indico o som “Undergroud Chick” do Yque (@yqueoficial_), e o som da banca da Fuckground “Maldito Preço”, (@fuckgroundcrew, @lisarochamc e @dr.psycose).

Fora esses, também indico os sons de todo mundo da Somos Sul Gang e claro, a indicação total, principal, número 1, não tinha como ser outra: Jovem Obama! Ouçam Jovem Obama!!

Sobre a cena e o futuro

Eu tenho produzido e ouvido muita gente foda da quebrada ultimamente, então posso dizer com toda a certeza: a cena do Capão tá mais viva do que nunca!

K: E quanto a cena local? O que você, produtor, tem enxergado na cena atual do Capão Redondo?

J: O primeiro passo é entender que são várias tribos na quebrada e aqui, numa região tão diversa quanto o Capão, não tem como ser diferente. Eu vejo muitos artistas e bancas com diversas inspirações, aspirações e ideias diferentes, com vontade suficiente pra se desenvolverem e com inspiração de sobra pra criar até mesmo um estilo único. O que é muito bom pra revitalizar a cena e mostrar do que somos capazes. Eu tenho produzido e ouvido muita gente foda da quebrada ultimamente, então posso dizer com toda a certeza: a cena do Capão tá mais viva do que nunca!

K: Quais são os seus planos daqui pra frente? Pretende continuar conciliando a carreira de produtor e MC, assumir novos projetos?

J: Por enquanto, meus planos estão definidos até 2022. Tenho MUITA música pronta pra lançar até lá, e além de algumas outras que eu pretendo soltar nesse meio tempo, não tenho nenhum outro plano […] entre esses sons, eu tenho uma mixtape chamada “As Aventuras de Jovem Obama”, que tem o lançamento marcado pra 15 de dezembro e faz parte de uma trilogia de tapes (ainda sem data de lançamento para as outras duas).

Também tô com um clipe muito louco pra lançar chamado “Opala”, som que tem eu, Yque, um mano do Rio de Janeiro chamado Still Ronny, Negão da ZS e a Lotus Badqueen. Além disso, futuramente também pretendo lançar uma mixtape com toda a banca da Somos Sul Gang. Ah, e tem o álbum “Superman”, que também tá pra sair logo menos!

Depois de tudo isso, o resto continua sendo um mistério pra mim.

https://youtu.be/L0sG7Eo3lKg

K: Considerando o momento do país e os rumos que ele está tomando, o que você acha que dá para esperar do Rap nacional no futuro?

J: Bom, uma coisa que eu vejo é que os artistas da nova geração estão percebendo que, assim como os artistas mais consolidados na indústria, é necessário sempre ter um corre além da música. Por mais que o som não tenha uma “mensagem”, somos artistas da quebrada e precisamos correr pela quebrada. É isso que a cultura Hip-Hop representa e é isso que eu vejo cada vez mais acontecendo: pessoas da cena se ligando de que trabalhar política junto com a cultura é melhorar a quebrada. E se unindo para transformar suas quebradas independente do discurso de suas músicas, através de ações que mobilizem a comunidade e que coloque o jovem preto num lugar de destaque.

Eu também vejo um futuro em que, assim como outros países, nós começaremos a comercializar ainda mais a nossa cultura pro exterior. Mesmo o Hip-Hop, que apesar de não ser “daqui”, tem muitos aspectos diferentes da gringa.

Estamos construindo um caminho muito bonito, por isso pode pá que o futuro vai ser generoso com a gente. Tenho certeza disso! 

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#20 – GIRO Kalamidade