Foto: Divulgação Selo Nebulosa

A mística criada pelo Selo Nebulosa na terra de arranha-céu

Selo Nebulosa e os artistas que formam uma orquestra brilhante de música preta.

Retrato de qualidade musical, e de experimentação da música preta brasileira, o Selo Nebulosa quer deixar bem claro que não se resume a um selo de Hip-Hop. Eles insistem em ser únicos. O selo que foi idealizado em 2015/2016 através do produtor musical Levi Keniata, cresceu em concepção e se ramificou em uma equipe de doze pessoas que, em seus fluxos individuais se uniram para colocar a ideia em prática. Troquei uma ideia descontraída com Levi e Marabu (um dos artistas do selo), que me contaram a história e trajetória do selo.

Tudo começou com o artista Obigo que viu em Levi um produtor musical perfeito para seu álbum “Pela Honra”, lançado em 2019. Hoje, o conjunto da Nebulosa é formado por paulistas diferentes que têm um mesmo objetivo: a autoafirmação de pretos fazendo música preta. A equipe dessa teia cultural representativa é formada por, Levi Keniata, produtor musical produzindo cinco artistas diferentes: Artelheiro, Ana Be, DJ Livea, Marabu e Nayra Lays; a direção executiva e a produção executiva ficam por conta do Wellison Freire e Cauê Carvalho respectivamente; a mixagem é de Matheus “Mixtheus” Miranda; a dupla de audiovisual e direção de arte, Vitor Sepinho e Lucas Lourenço (Lukinha), e a assessoria de comunicação cuidada pela Amanda Figueiredo. Todos esses componentes trabalhando na formatação de uma reconfiguração da sonoridade das periferias paulistanas.

Logo do selo Nebulosa / Arte: Vitor Sepinho

A projeção de um híbrido cultural advindo das quebradas de São Paulo, surgiu da busca pela contemporaneidade da música preta brasileira. O exercício de resgatar histórias, ritmos e gêneros representativos é a base principal que caracteriza os sons lançados pelo selo. A união de Samba-Rock, Funk paulista, Samba de partido-alto e música de macumbeiro parece ser um trabalho difícil, mas para Levi e Marabu não deveria ser assim. O Brasil é recheado de sonoridades desde os seus primórdios, o regionalismo possibilitou que a nossa música se expandisse em ritmos, e se tornasse uma das nossas principais culturas, uma cultura dinâmica e coexistente. Sendo assim, não deveria ser complicado misturá-las e retomar seus discursos, porque a evolução da música preta brasileira depende diretamente do seu passado e da sua pluralidade.

Com toda certeza, “Fundamento” debut do Marabu foi o grande lançamento do selo desde seu início, não só pela potência do álbum, mas porque sua composição propôs uma maior experimentação instrumental do Levi. “Fundamento” vem sendo cozido desde 2019, depois de um processo de crowfunding que possibilitou seu lançamento, o álbum conta com 10 músicas que foram se formatando ao longo do tempo de execução, já que o mesmo teve um atraso de lançamento por conta da pandemia. Esse atraso trouxe novas proposições e reformulações de faixas que foram mudadas durante o tempo, o objetivo do Marabu era fazer um álbum pra tocar nos bailes, pra fazer um show e ver o público dançando e se divertindo com uma música preta mesclando todos seus ritmos mais fortes. Muito disso veio do “Células”, álbum de Levi Keniata lançado em outubro de 2020, apenas um mês antes de “Fundamento”.

O lançamento do álbum “Células”, foi uma espécie de fio condutor para a construção de alguns processos criativos do time. Com 24 faixas, o álbum veio como um alívio para os artistas tendo que encarar a pandemia e ter seus processos um tanto atrasados, então a junção desses artistas em uma quase coletânea pautada em dar vazão aos processos criativos do grupo gerou uma dinâmica cultural sensacional. O dinamismo efervescente desses corpos pretos e suas experimentações sonoras se baseou em um estudo constante dos ritmos paulistas, principalmente da zona leste, zona norte e zona sul. Na aula que Levi e Marabu passam a visão sobre o som da Nebulosa, eles explicam como que do Samba-Rock para o Funk se muda apenas uma nota, o que torna o processo natural de incorporação muito mais fluído.

Cantar melodicamente também foi uma das razões para romper com a simplicidade instrumental, dando abertura para outros experimentos e vivências. Ao fazer a audição do “Células”, é notável a influência em “Fundamento”, mas é necessário ressaltar que “Fundamento” foi formatado antes, e é totalmente a brisa do Marabu como artista em colisão com suas próprias referências, mas a produção do Levi fica facilmente reconhecível. A identidade musical de Levi é o fermento pra massa criativa de seus artistas, utilizando instrumentos analógicos (como agogô e berimbau) combinado com instrumentos digitais para construir seus arranjos. A fluidez dos discos também é uma característica marcante da produção de Levi, as transições de uma faixa pra outra são bem amarradas apesar do seu grande número de instrumentos e referências. Essas transições podem ser flagradas em “Salve” e “Visão” no álbum do Marabu, e “Zigoto” e “Clivagem” no “Células”.

Tracklist do álbum “Células” / Arte: Vitor Sepinho

O selo tem seus conceitos e objetivos bem afirmados, mas deixa claro em como seus artistas possuem uma liberdade e individualidade indiscutível, o que os torna tão diversos. O próximo lançamento do selo é o álbum de Ana Be (Nia), que promete a união do urbanismo da Paulicéia com a ancestralidade e espiritualidade do povo preto. A construção desse projeto vem desde que Ana decidiu colocar sua voz no mundo, as concepções de suas ideias passaram por uma evolução significativa desde que ela lançou seu podcast “Nia” em 2018, com uma abordagem de ser uma aparelhagem de som, intervenção sonora e artística, movimentando corpos e tantas diásporas, a necessidade em contar e conduzir histórias, e em cantá-las, trouxe a “Diáspora 22” na proposta de ser um “Nia” visual, tudo, menos o que se possa pensar sobre o projeto. Esse percurso artístico e potente que exalta a voz de Ana Be como uma guia de narrativas de sua gente na expansão de forças pretas, ajudam a criar essa conexão entre o passado e o presente, o antigo e o novo. Um projeto único que cabe perfeitamente na tangente dos gêneros simbólicos que permeiam o selo e o traduzem.

A prática de olhar pra trás e pra dentro de si mesmos, é um processo de autoconhecimento, autocriação e autorreinvenção, a Nebulosa apresenta isso em sua completude não só artística, mas também em como se posicionar em um mercado musical dominado por poucos gêneros, tendo apenas um dele dominado por pretos (Hip-Hop). A partir do momento em que produtores, artistas, técnicos, empresários e assessores estão bem firmados em suas bancas, selos e gravadoras, seus conceitos se atravessam e criam um corpo que movimenta todo o time na infiltração desse universo caótico musical brasileiro em um caminho singular, o que divulga melhor todo seu trabalho.

Muito mais que os exercícios de retomadas, o selo Nebulosa constrói seu legado estando aqui no presente, ativamente evoluindo sem deixar de reverenciar suas influências. Desde o início com Obigo, ao o que foi construído até hoje, o selo não é pretensioso em nada, apenas faz aquilo que ninguém espera da música preta de quebrada moderna, trazendo uma alternativa refrescante num meio tomado por uma fadiga incessante. Levi Keniata segue sendo alquimista, maestro de uma orquestra brilhante de música preta, firmando uma cena sólida, diversa e crescente, renascendo de sons, paisagens e histórias do universo que não é conduzido, conduz, e nas palavras de Levi:

uma estrela pra nascer, tem que morrer primeiro.

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