Falar de Hip-Hop em SP é olhar para a caminhada de jovens que faziam seu dia ter mais de 24 horas, tinham disposição para colar em dois ensaios, uma sessão de estúdio, num show à noite pra tentar cantar em algum espaço que sobrasse, ver o maior número possível de DJs tocando na noite além de fazer o corre das notas até o dia que a moeda chegasse por meio do Rap. Como o selo “Pau-de-dá-em-doido” a história não foi diferente.
Fundado em 1998, a banca é um dos maiores selos independentes da cena do Rap underground de São Paulo. E vale ressaltar um ponto importante aqui: Underground por Opção!
Original de Santo André, o coletivo nasce do encontro dos artistas Enézimo, EriQ.I e o DJ Nato PK. Na sua caminhada o selo traz nomes como Polemikaos, A.R.M.A.G.E.D.O.N, Arnaldo Tifu, Preto R, Max Musicamente e conexões com grande nomes da cena como DJ Paul (RPW), André Sagat, Max B.O, Stefani, Organização Xiita, Raphão Alafin, Gaspar Z’África Brasil, Lews Barbosa chegando até à lenda viva do Rap mundial Chuck D. Tu já ouviu a faixa “Justiça”?
Em 2022, a Pau-de-dá-em-doido lança seu terceiro vinil “PDD 20 Anos”. Prensando pela fábrica Vinil Brasil, o disco é uma homenagem à vida e obra de Enéas Enézimo, morto em 2020 vítima da covid-19. Hoje batemos um papo com Nato PK para saber a história do selo, a caminhada do artista independente no Brasil e a importância de Enézimo para o Hip-Hop Nacional.
Bora de ideia? Confira na íntegra nosso bate papo com o DJ Nato PK e se você é disqueiro igual metade da redação do Kalamidade, garanta seu vinil aqui!
Kalamidade: Pra quem tá conhecendo o trampo aqui pela matéria, conta pra gente como foi o processo de fundação do selo? Sabemos que culminou com o término dos grupos A.R.M.A.G.E.D.O.N e Polemikaos.
Nato PK: Salve salve Kalamidade e geral que acompanha o corre aqui! Bem, na real, o selo “Pau-de-dá-em-doido” existe muito bem antes do término dos grupos A.R.M.A.G.E.D.O.N e Polemikaos. Por exemplo, em 1997, o A.R.M.A.G.E.D.O.N já citava em suas letras o nome do selo, pois ali naquela época já exista a ideia. Contamos o início real do selo partindo do primeiro projeto fonográfico: o CD Single do grupo A.R.M.A.G.E.D.O.N, lançado em 1998, em parceria com a Companhia Paulista de Hip-Hop (selo encabeçado pelo lendário Millton Sales, que foi responsável pela junção dos Racionais MC’s) e que teve a produção assinada por Edi Rock. Até o término de ambos os grupos, o selo já havia lançando 3 títulos em CD e mais 2 títulos em Vinil 12.
K: A gente pesquisou aqui e vimos que o nome “Pau-de-dá-em-doido” surgiu por causa de um enquadro, certo? Você tava nesse dia? Consegue contar um pouco como rolaram as ideias até chegar nesse nome?
N: A história do nome, segundo o Enézimo me contava, se deu em um enquadro sofrido por ele e mais alguns amigos em seu bairro (Parque Novo Oratório/Santo André), no qual ele foi conduzido na viatura meio que dando um “rolê” na quebrada e sendo ameaçado com um pedaço de madeira com a seguinte fala: “Tá vendo essa madeira aqui? Esse é o Pau de dá em doido que tenho pra você”. O nome ficou na cabeça do Enézimo e tempos depois em pesquisas ele descobriu que o termo se refere a uma madeira resistente, e tinha tudo haver com o corre dentro da cultura Hip-Hop. Pau-de-dá-em-doido sinônimo de RESISTÊNCIA.
K: Quem eram as referências que vocês tinham lá na época? Qual som tocava nos fones? Tinha algum selo que vocês tomavam com espelho?
N: Eu acredito que os selos como Ruthless e No Limit Records do Master P, tenham sido uma grande influência na ideia de ter um selo independente. Na época que comecei a ensaiar juntamente com a rapaziada do A.R.M.A.G.E.D.O.N, nos fones e beats gringos usados nos shows variavam entre N.W.A., Public Enemy, Boogie Down Productions, CMW, MC Eiht, Ice-T, Geto Boys, Mater P, entre outros.
K: Vocês completaram 20 anos em 2018, e entre os desafios do corre independente, levantar a grana pra lançar um trampo é uma das partes mais complicadas. Conta um pouco dessa parte que ninguém vê quando se pensa no processo de criar um disco?
N: Cada projeto fonográfico do selo tem uma particularidade, uma história que envolveu todo o processo. Desde a gente começar a ter autonomia nas criações dos beats e aprender na raça a captar voz, mixar e masterizar nossas próprias músicas. Enézimo era totalmente autodidata e era quem mais pilotava a nave na hora de mixar e masterizar. Em boa parte dos discos lançados, a grana ou saia do nosso bolso mesmo ou da soma de cachês. Não existiam plataformas de streaming então era necessário pensar sempre na prensagem em CD o que era no mínimo 1000 peças. Além disso sempre fomos atentos a editais de fomento à cultura, o que nos proporcionou ter realizado projetos como os álbuns em vinil “PDD 15 Anos” e “PDD 20 Anos”, que contaram com apoio de editais do fundo de cultura de Santo André.
K: Pensando em toda a história do selo, foram inúmeras vozes que chegaram para somar nos discos lançados. Muitas delas vocês conheceram no meio da caminhada, em rolês como a Central Acústica. Como era a logística pra distribuir as bases? Vocês que definiram quem ia rimar com quem em determinada faixa?
N: Boa parte do processo, eu e o Enézimo que definíamos quem rimaria com quem e em qual base, chegando até a definir os temas para a escrita, e sempre deu muito certo. Tenho como exemplo a música “Minha Parte” que direcionamos pra Stefanie e o beat já foi com os riscos do refrão gravado, e partindo disso, a Fani desenrolou toda a escrita da música.
K: Sabemos que, pra lançar o vinil de 20 anos, vocês refizeram as masters de todos os sons. Conta pra gente como foi esse processo? O Master San chegou pra somar junto, certo?
N: Foi um processo emocionante revistar várias sessões de projetos da PDD. Sempre tivemos um cuidado muito grande com a qualidade de nossos produtos, seja em áudio, audiovisual, projetos culturais, etc., e esse projeto foi o primeiro que realizei sem a presença física do Enézimo (quando saiu o resultado de contemplação do edital, Enézimo já estava internado e entubado). Tive uma enorme preocupação para que as produções, captações, mixes de diferentes épocas e diferentes estúdios soassem de forma homogênea nesse vinil. Daí acionei meu irmão Master San na Mobile Audio Pro, para essa missão de mixar novamente algumas tracks as quais ainda tínhamos as sessões abertas e masterizar todo esse tracklist para o formato em vinil. Tivemos momentos em que, por exemplo, abrindo a sessão encontrada da “Ele Não” de 2018, notamos que algumas coisas estavam diferentes da ultima versão lançada e o Master San lembrou que tinha alguns áudios do Enézimo da época, passando algumas instruções de mix e edição, pois essa faixa em particular foi mixada pelo San. Então ouvindo novamente os áudios de WhatsApp do Enézimo, fomos fazendo as devidas correções e foi como se ele estivesse ali, dando aquela orelhada na gente. Foi um processo realmente incrível.
K: O disco de 20 anos do PDD vem em homenagem à memória e legado do Enézimo. Fala um pouco sobre quem foi Enéas para a cultura Hip-Hop?
N: O Enéas foi um irmão, mentor, amigo que o Hip-Hop me deu. Sempre acreditou no meu talento como DJ e como beatmaker, sempre me incentivando e me puxando pra frente. O Enéas foi um grande MC, Arte Educador, fomentador da cultura Hip-Hop em sua cidade, que utilizava também o Rap, a escrita, a poesia como forma de ressocialização na Fundação Casa e em vários outros corres que ele tinha. Quem teve a oportunidade de pelo menos uma vez conversar com ele, sabe como era incrível, didática e proveitosa cada conversa. o Hip-Hop brasileiro perdeu um de seus grandes artistas, e estamos aqui, pra manter seu legado vivo.
K: Saindo um pouco do estúdio e dos palcos o selo tem uma atuação forte em trabalhos de formação de jovens por meio de oficinas. Conta um pouco desse lado do selo?
N: O selo além dos trabalhos musicais, sempre teve esse lado dos eventos culturais, oficinas e workshops, utilizando da nossa experiência junto à cultura Hip-Hop para realizar tais ações. Enézimo era figura presente dentro da Fundação Casa, chegamos a montar uma unidade compacta e móvel de Studio, para que seus alunos pudessem ter a experiência de ter sua voz e suas rimas gravadas. Já realizamos workshops em escolas da rede publica em Santo André para criançada, fiz aulas de discotecagem gratuitas para menores, entre vários outros projetos executados nesses mais de 20 anos de atividade.
K: Sabemos que as atividades da PDD serão encerradas após finalizar as vendas dos discos. O que você vê como legado deixado por esse coletivo que é um dos, se não o maior, de nossas terras?
N: Sabemos que fomos influência para vários outros corres. O próprio Emicida disse uma vez que se inspirou na PDD para criar o Laboratório Fantasma. Acredito que fica o legado principalmente para o Hip-Hop de Santo André, do ABC, de um coletivo que movimentou a cena local, levou o nome para grandes festivais, emissoras de TV, Rádio, um coletivo que impactava em suas apresentações, e que de forma independente construiu sua história e deixou sua marca no Hip-Hop brasileiro.
K: O que podemos esperar então do Nato PK pros próximos meses?
N: Sigo trabalhando em shows com meu mano Rodrigo Ogi, também estamos voltando com os shows do Max. B.O.
Tenho um single produzido com a incrível guitarrista/cantora Fernanda Aimê, que ficou lindão e vamos lançar muito em breve. Sigo produzindo em casa e já penso em um disco novo.
Tenho discotecado bastante por SP e outros estados. O mês de junho é todo dedicado ao “Só Disco Salva”, projeto em parceria com meu irmão DJ Zero Macgaren que tem o foco na discotecagem somente em vinil e que estará comemorando 5 anos de atividade. Temos uma mini tour de aniversário pra acontecer durante todo o mês, passando por casas de Santo André, SP e interior de SP.
Seguimos também voando com o time de basquete do selo, o PDD TEAM! O time foi fundado pelo Enézimo e hoje segue sob o comando do meu parsa Edimilson “Mico” (amigo de infância do Enézimo e já foi integrante do A.R.M.A.G.E.D.O.N). O time fez uma campanha incrível ano passado em sua estreia no Streetopia SP, e já está de volta na edição desse ano e chegou pesado. Torçam pelo nosso time!
Muito obrigado a todo o time Kalamidade por sempre apoiarem e fortalecerem nosso corre aqui. Seguimos juntos nessa.
O trampo PDD 20 Anos está disponível também nos streamings de música. Cola na sua plataforma favorita e dá um play no trampo. E falando em streamings você pode conferir a ideia que trocamos com DJ Nato PK no Kalamidade Podcast e conhecer um pouco mais da caminhada deste pilar do Rap do Brasil.
Enézimo Presente!
Texto por: DJ Pepeu e DJ Nobru Izru