A história do Lo-Fi Hip-Hop

Conheça a história, influências e alguns dos principais nomes do Lo-Fi Hip Hop.

Popularizado no YouTube por vídeos de personagens de anime estudando, Lo-Fi Hip-Hop é um dos subgêneros do Hip-Hop mais escutados. O termo “Lo-Fi” vem de low fidelity (recording) ou seja, gravação de pouca fidelidade, que nesse caso é “qualidade”, mesmo que essa baixa qualidade seja apenas uma emulação.

Mas Lo-Fi não começou no Hip-Hop. Na verdade, começou bem lá nos anos 80, com Dreampop, Shoegaze e foi se transportando através dos gêneros, já que pra ficar sob o termo-guarda-chuva que é “Lo-Fi”, basta ser uma gravação mais caseira e menos polida.

No Hip-Hop

Se formos caracterizar Lo-Fi Hip-Hop assim, como gravações com baixa qualidade, com ruído e sujeira, então tenho que falar que 36 Chambers, álbum de estreia do Wu-Tang Clan, é Lo-Fi Hip-Hop. E é. Mas vamos nos ater ao que ficaria mais conhecido como ChillHop.

Para isso, a maioria das pessoas sempre se voltam para os pioneiros Nujabes e J Dilla, e ao Cartoon Network.

Ok, é discutível a influência da Cartoon Network nesse caso. Acontece que lá nos Estados Unidos o canal tinha uma espécie de comercial que tocava nos intervalos dos desenhos com programação “mais adulta” (os desenhos legais) e alguns deles tinham batidas do Dilla. Já na programação em si tinha o anime Samurai Champloo, com trilha composta, em parte, por Nujabes. E assim, o som do Lo-Fi Hip-Hop ficaria no subconsciente de milhares de adolescentes que precisariam de batidas para estudar no futuro.

J Dilla

J Dilla foi um DJ e produtor de Detroit, Michigan, que surgiu para a cena do Hip-Hop impressionando artistas como Q-Tip, Questlove, D’Angelo, Busta Rhymes e outros. À época, sua produção era tradicional, com o mesmo uso de samples que outros produtores também faziam, mas era o seu domínio da drum machine, primeiro uma MPC-60 e depois a MPC3000. Essas máquinas têm um botão que permitem ao produtor quantizar suas batidas. Basicamente, uma ferramenta que alinha as batidas ao tempo pré-determinado. J Dilla desligava esse quantizador, e propositalmente cometia “erros” de tempo em suas batidas, para dar uma sensação mais humanizada aquele som eletrônico.

Dilla sampleou Azymuth em seu primeiro disco, e se inspirou na Bossa Nova para criar uma música com elementos mais melódicos e mais relaxadas em “Brazilian Groove (ewf)”, basicamente lançando o caminho para um faixa de Lo-Fi Hip-Hop. Em seu disco “Donuts” de 2006, ele ampliaria ainda mais esse estilo incorporando mudanças de tempo, slowed e reverb.

Donuts foi lançado no dia 07 de fevereiro, no dia em que Dilla completou 32 anos e, infelizmente, três dias antes de seu falecimento em decorrência de uma parada cardíaca, após ter sofrido por anos com uma doença sanguínea.

Nujabes

Do outro lado do oceano pacífico, no Japão, o DJ e produtor Jun Seba – Nujabes – também fazia sua parte, participando na produção da trilha do anime Samurai Champloo, principalmente na sua concepção e no segundo volume de trilhas. O anime se passa no Japão feudal, e sua arte tem cores leves e muita natureza e o desenho tem o Hip-Hop incorporado nos momentos de ação.

O trabalho de Seba não foi apenas esse, é claro, e ele talvez tenha criado seus melhores sons em seus álbuns solos Metaphorical Music e Modal Soul, onde ele flexionou todos os músculos, misturando Jazz e Soul e transformando em Breakbeat e Hip-Hop. As músicas criadas por ele são muito mais guiadas por um clima ou sentimento do que um estilo por assim dizer.

Talvez tenha sido essa influência de Nujabes que o gênero passaria a ser ligado com as animações japonesas. O curioso é que Nujabes e J Dilla nasceram no mesmo dia, 07 de fevereiro de 1974, e acabaram influenciando o mesmo subgênero do Hip-Hop de alguma maneira.

Lo-Fi no YouTube

Enquanto o Hip-Hop mainstream passava a ser dominado por Kendrick ou pelo Trap, na internet começava a surgir um fenômeno muito único. As livestreams passaram a ser permitidas no YouTube a partir de 2013, e com isso surgiram várias rádios de gêneros que se espelharam ao longo da rede.

Com isso surgiram dois dos canais mais famosos de Lo-Fi Hip-Hop, ChilledCow e Chillhop Records, ambos em 2015. ChilledCow hoje conta com mais de 7 milhões de inscritos, e sua livestream é uma das mais conhecidas da internet.

ChilledCow / Arte por Juan Pablo Machado

Já o canal Chillhop Records, chegou a ter sua livestream tirada do ar por questões de direitos autorais, já que eles utilizavam um loop do anime Wolf Children, do Studio Shizu, como arte. Depois disso, o canal se transformou em uma vitrine para novos artistas.

Mas a menina do canal ChilledCow continua lá, estudando.

E é claro que a popularidade dessa livestream inspirou outras pessoas a criarem as suas, ou pelo menos seus próprios canais de ChillHop. Alguns são apenas agregadores, fazendo upload de mixtapes com uma coleção de músicas do gênero. Já outros são produtores e fazem seus próprios beats de Lo-Fi.

Meme

Como tudo isso surgiu na internet, é na internet onde ele vai encontrar maior força. E o Brasil não poderia ficar de fora.

Ilustradores brasileiros também já fizeram sua parte em recriar o momento da menina estudando, com um linguagem tupiniquim, é claro.

E o meu favorito:

Lo-Fi no Brasil

O Lo-Fi brasileiro não fica apenas na recriação da icônica imagem e no meme. É claro os brasileiros também passariam a criar e misturar seus próprios sons no subgênero. Além disso, o Brasil tem a chave para o Lo-Fi Hip-Hop, já que o som clássico da MPB e Bossa Nova é tão caçado pelos produtores internacionais.

Artistas

Um dos principais nomes brasileiros do gênero, Konai começou produzindo beats no seu quarto, com o computador do irmão e hoje em dia já conta com mais de 1 milhão de inscritos em seu canal no YouTube. Ele incorpora o som de violão para criar as chamadas sad songs, o que deixa ainda mais com cara de Brasil.

O coletivo BANAL, que já tem 4 mixtapes lançadas, são um pouco mais experimentais em seu som, até mesmo pegando elementos do Trap para suas batidas. Mas o fazem sem perder a essência do Lo-Fi, em seus samples ou na gravação em si.

Outro artista de destaque é NightmareBeats. Porto-alegrense e membro do coletivo Stayblack, ele consegue capturar o sentimento de nostalgia que as músicas Lo-Fi do Nujabes também pareciam ter. São pequenos detalhes como a quantidade certa de reverb na guitarra de arranjo ou o sintetizador que encaixa perfeitamente. Um dos seus lançamentos recentes de destaque é Lo-Fi para Churrasco Vol. 2, que já falamos lá no nosso Instagram.

Lo-fização da música BR

Além das criações originais, o brasileiro tem se divertido em “lo-fizar” várias músicas populares do nosso vasto repertório. Desde músicas antigas a hits modernos, o gênero parece encaixar bem no remix de músicas de Belchior ou de Jorge Ben Jor e, o preferido da galera, Tim Maia. São artistas como jdutra ou um dos meus favoritos, saiB.

Principalmente a sutileza de saiB em transformar suas músicas num momento em que conecta o sample com as batidas e um sentimento. Até nos seus remixes ele faz muito bem o papel de transportar uma música antiga para uma nova linguagem, como é o exemplo de Chove Chuva de Jorge Ben.

Enquanto o gênero é simples musicalmente falando, ele não chega a ser tão simples assim na parte sentimental. Sempre evocando uma certa nostalgia, até mesmo por algo que você nunca viveu, o Lo-Fi Hip-Hop é de trazer calma, relaxar, ver o pôr-do-sol ou embarcar numa viagem com seus amigos. Talvez o Lo-Fi Hip-Hop nunca vá ser mainstream até chegar no Top 100 da Billboard, mas com certeza já é um gênero que cativou as massas e têm inúmeros ouvintes por aí – seja lá o que essa pessoa estiver estudando.

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