Por Guto Magalhães
Antes de se tornarem figuras canônicas da MPB, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gal Costa ficaram conhecidos como a “Turma do Vila Velha”, em referência ao teatro de mesmo nome localizado em Salvador, espaço que abrigou os primeiros shows dos artistas que iriam revolucionar a música brasileira.
Antes da disrupção causada pelo streaming, o caminho para o estrelato seguia um roteiro bem simples: faça barulho em shows, consiga um espaço na TV, um hit nas rádios e pronto: nasce uma estrela. Os shows eram o início de tudo. Mas o que acontece quando a possibilidade de se apresentar ao vivo sai da equação?
O elemento rua
A pandemia inviabilizou a possibilidade de apresentações ao vivo — não que fosse fácil realizar um show ou uma festa de rap underground antes dela. De qualquer forma, a suspensão inédita e prolonga da vida noturna foi o golpe de misericórdia em muitas casas de show e espaços que abrigavam festas e rolês independentes.
Em São Paulo, a principal vítima foi a Morfeus Club, berço do trap paulistano. Bares como o Mandíbula e o Baderna, outros espaços conhecidos no underground também fecharam. Com a impossibilidade de ir pra rua, o Hip Hop— como toda nossa vida — migrou de forma permanente para o ambiente online.
A indústria dos “react”
É nesse contexto de digitalização forçada que o Hip-Hop, um movimento feito na rua e pra quem é da rua, que entra o engajamento. A ponta de lança da lógica do engajamento no rap nacional é o que apelidamos de “indústria do react”.
O fenômeno dos vídeos de “reação/análise” não é exatamente novo — os primeiros vídeos do pioneiro da prática por aqui, nosso querido Falaturzetrê datam de 2016, quase um éon geológico quando falamos de internet — mas julgando pelo alcance e pelo volume de conteúdo produzido pelos “analistas”, uma geração inteira de fãs foi educada sobre o que é rap e o que é Hip-Hop nas ruas do YouTube e do Twitter.
Parte da influência dos artistas que ganharam tração no ecossistema do react foi construída por meio do famoso “jabá”. Conhecido como payola nos EUA, a prática de pagar para ter sua música reproduzida data dos anos 20 do século passado e foi adaptada com sucesso pela indústria do react.
Sensacionalismo e engajamento
O jabá online atingiu outro patamar um dos mais bem sucedidos “analistas” que a internet brasileira já produziu: Marco dos Anjos. O youtuber construiu um império por meio da “análise” — se você considera caretas e comentários estilo “brabo” ou “chegou pesado” como crítica. Como toda figura obscura da internet, dos Anjos capitaliza em cima toda e qualquer polêmica — a última foi a “cobertura” sensacionalista da morte do Mc Kevin.
Com mais de 1 milhão de inscritos no YouTube e um número semelhante de seguidores no instagram (impulsionado por táticas típicas de subcelebridades como sorteios, que renderam o banimento da sua conta na plataforma), o engajamento do “analista” parece que não vai acabar tão cedo — mesmo com uma recente denúncia de racismo ecoando por aí.
No site do youtuber é possível encontrar uma tabela de preços com tipos específicos de divulgação (stories, reacts ou vídeos), um esquema pra lá de duvidoso. A prática do jabá é ilegal no Brasil desde 2006, mas com ausência de regulação virtual, figuras como Marco dos Anjos vendem alcance em forma de conteúdo. Relatos de calote picocaram no twitter pouco tempo atrás (como você pode conferir aqui, aqui e aqui) e apesar das queixas, o canal do youtuber segue intacto.
Conhecimento nas trincheiras
O desafio é como escapar do ciclo do engajamento barato e impulsionar artistas independentes? Engajando o conteúdo sério sobre rap e Hip-Hop.
É preciso valorizar e trabalhar pelo elemento “Conhecimento” no Hip-Hop, engajando o conteúdo sério sobre a cultura, trabalhado por mídias como Bocada Forte, BRASA MAG, Inverso, Noticiário Periférico, Per Raps, Oganpazan, Raplogia, Redescobrindo o Rap, Embrazado, Kalamidade, Genius Brasil, Black Pipe, e todas as iniciativas emergentes que tratam a cultura com o respeito que ela merece.
Contra a indústria dos reacts e views baratos, a resistência vem na forma de uma luta de guerrilha, disputada trincheira por trincheira. Eles podem ter os views, mas nós temos as ruas.