“Não é sobre o que você tem. Amapiano é sobre o que você está vivendo”, a frase de Mphela Rose, dançarina de Soweto, traduz muito sobre o que é o Amapiano, e o que ele representa para a cultura sul-africana, como um gênero atual, que vem dominando espaços nos últimos anos, o Amapiano abraçou as redes sociais como seu canal de principal de divulgação, e através delas vem se tornando um fenômeno global.
A explosão de popularidade do Amapiano
O Tik Tok definitivamente se transformou em uma plataforma essencial na divulgação de músicas atualmente. O algoritmo do aplicativo não é tão complexo quanto o do Instagram ou do YouTube, as músicas conseguem girar organicamente e quanto mais pessoas ouvirem aquele som, maior a probabilidade de você encontrá-lo de alguma forma. Os challenges de dança que surgem diariamente são na maioria das vezes responsáveis por viralizar músicas e artistas do mundo todo, ampliando o interesse por gêneros musicais diversos, e artistas desconhecidos por grande parte de seus usuários.
Nas ruas da África do Sul isso não é nada diferente, desafios de dança inundam a “for you” do Tik Tok. O Deep House e as linhas de baixo conduzidas pela bateria, juntamente das melodias de piano carregadas de sentimento são a trilha sonora de um ritmo contagiante, ritmo esse, que diferentemente do Tik Tok não é nada atual e está na vida dos sul-africanos já há algum tempo. Advindo de uma cena underground, o Amapiano teve uma explosão de popularidade durante a pandemia de Covid-19, e continua crescendo cada vez mais.
As origens do Amapiano
Em 2021, você não pode realmente denominar Amapiano apenas como gênero. Para seus fãs e criadores ele se tornou parte de suas vidas. Para eles, o Amapiano é muito mais do que um viral, ou só um híbrido de Deep House, Jazz Piano e Lounge, é o som de uma nova geração de jovens negros periféricos em um país que até hoje vive sob os efeitos do apartheid.
As origens do Amapiano estão no Kwaito, música criada nos anos 90, quando a África do Sul fez a transição para um país democrático. Um de seus pontos mais interessantes é como ele é feito e como ele é disseminado. Nascido nos municípios negros da África do Sul, o Amapiano pega emprestado a ancestralidade musical das comunidades em que foi concebido, mesclando um som que está nas boates e clubes do mundo todo, fazendo com que ele se espalhe pelo aplicativo em maior crescimento em downloads desde o início de 2020.
Inicialmente conhecido “i-number” (que pode ser traduzido como ‘ótima faixa’), o nome “Amapiano” mescla o artigo plural da língua zulu, “ama”, com um instrumento musical ocidental “piano”. Aproximadamente dez anos após a criação do gênero, até mesmo o nome fala de uma coexistência de influências africanas e ocidentais, antigas e contemporâneas.
Para que o Amapiano começasse a conquistar seu lugar dentro do mainstream, foi necessário que DJs e cantores acreditassem no potencial do gênero e começassem a difusão do mesmo pelas ruas sul-africanas. Debates sobre suas origens exatas são constantes, mas a grande maioria dos artistas geralmente concorda que ele nasceu nos municípios de Joanesburgo e Pretória, na província de Gauteng, por volta de 2012. Assim como outros gêneros antecessores, o Amapiano foi inicialmente um resultado da diminuição do BPM nas faixas de House já existentes, além de agregar componentes de Afro e Deep House, Tech-House, Jazz e Folk.
De acordo com o DJ Maphorisa, um dos maiores nomes no Amapiano atualmente, um dia alguém veio com o conceito de tentar infundir o Deep House com um piano característico gospel, com isso o duo de DJs MFR Souls comprou a ideia, deu um nome para o resultado da combinação, e começou a espalhá-lo pelos clubes da área.
Vindo de um local marginalizado da África do Sul, era impossível consumir Amapiano dependendo apenas das rádios locais, visto que o gênero “emergente” era constantemente subestimado em seu potencial de popularidade. Esse status só mudou a partir do DJ “Da Kruk”, conhecido por criar a “Hora do Amapiano”, ele conheceu o gênero através de mixtapes (como as do DJ Stokie) e de artistas enviando constantemente guias em seu WhatsApp, se apaixonando pelas linhas de baixo e os pianos progressivos das faixas.
Com a “Hora do Amapiano” tornando-se popular nos bairros de Katlehong, Soweto, Vosloorus e Alexandra, o próximo passo foi a execução de uma compilação do gênero. “Amapiano Vol 1” foi lançada em 2016, curada pela House Afrika (selo local) e marcou o início da comercialização do gênero, assim como sua disponibilidade nas plataformas de streaming digital.
Evolução do gênero e da cena
Em 2019, o Amapiano evoluiu, e com isso novos elementos se tornaram parte, como o tambor e a linha de baixo principal, além da inserção de vocais sobre as batidas. Nomes como o de Kabza De Small, DJ e produtor de Pretória, foi um dos primeiros a colocar vocais sobre batidas Amapianas. Embora a inclusão de vocais tenha aumentado sua popularidade, o Amapiano continuou sendo um gênero dominado por produtores. Os produtores, que também são DJs/artistas, são na grande maioria das vezes reconhecidos pelo seu trabalho e creditados como artistas de destaque nas colaborações em que trabalham. Ou seja, é comum abrir uma playlist de Amapiano em algum streaming, e ver o nome do DJ/Produtor antes do nome do vocalista. Essa natureza colaborativa é onde reside grande parte do poder do movimento.
Dentro do Amapiano existem outros estilos que podem ser caracterizados ou não por agregar outros elementos ao gênero. No “private school Amapiano”, ou “Amapiano de escola privada”, riffs de guitarra e saxofone são inseridos dentro da sonoridade convencional, o pioneiro dessa vertente foi o DJ/Produtor Kevin Momo, seus dois últimos lançamentos, “Momo’s Private School” e “Ivy League”, foram bem recebidos pelo público, e acumularam milhões de streams. Já o Amapiano com elementos de percussão distorcida, formada por assobios e sirenes estridentes, ficou conhecido como “Rekere” ou “nkwari” e foi propagado pela dupla Mellow & Sleazy.
A Cena hoje é recheada de nomes grandes, que contribuem ativamente para que a mesma não deixe de lançar novos artistas. Em 2019, sucessos como, “Umshove” de Kabza De Small, “Long Lasting” de JazziDisciples, “Shesha” de De Mthuda, “Untold Stories” de Vigro Deep e “Iskhathi” de Kwiish SA, resultaram em uma inclusão da dança, como parte importante do Amapiano. Movimentos como o “pouncing cake”, e a frase “Amapiano é um estilo de vida” se tornaram virais. A música conquistou o coração de muitos sul-africanos e tornou-se parte da vida dos jovens e da cultura urbana, mais faixas explodiram, consequentemente mais nomes surgiram, e sua disseminação foi garantida.
Outro ponto interessante sobre o Amapiano, é como ele consegue ser muito mais inclusivo. Ao contrário de outros gêneros de música eletrônica, onde as mulheres têm sido historicamente apagadas, no Amapiano elas estão igualmente na vanguarda do som, lançando músicas em seus próprios selos, e sendo suas próprias DJs e vocalistas. Nomes como Sha Sha, DBN Gogo, Kamo Mphela, Lady Du, Boohle, Pabi Cooper, TxC e Uncle Waffles estão no topo lado a lado dos homens da cena.
Amapiano no Brasil
Dentro do Brasil, o Amapiano vem em uma crescente muito grande nos últimos tempos. DJs de todos os lugares vêm incorporando cada vez mais o som em seus sets, voltando a atenção para a música eletrônica negra e periférica. Nomes como: Peroli, AK1N, Jef Rodriguez, JLZ, Eve Hive, Afreekassia, e DJ Kingdom, introduzem seu público ao som sul-africano que domina e contagia as pistas. Sobre a experiência de tocar Amapiano em seus sets, Kingdom fala:
Eu conheci o Amapiano através do universo paralelo SoundCloud, onde sempre fico imersa escutando o que anda rolando pelo mundo afora. Lembro de ter encontrado o DJ Benaiah, um DJ lá da Etiópia que hoje mora na Holanda, daí fiquei vidrada nesse som que é um Deep Afro House com variações e elementos que são envolventes… Costumo falar que o Amapiano é tipo um som meditação! rs. Simplesmente amo! Desde então venho estudando o Amapiano e incorporando o gênero em meus sets fazendo com que ele converse com a vibe do momento!
DJ Kingdom
Recentemente, Kingdom teve a oportunidade de soltar uma mix para a “The Other Radio”, rádio sul-africana, e o set completo você encontra aqui:
Com toda a certeza o Amapiano abriu muitas portas para os jovens da África do Sul se expressarem, oferecendo oportunidades para todos, desde pesquisadores e compiladores, até dançarinos e promotores de clubes e eventos. Hoje, quase não existem locais ou pontos que não tocam Amapiano ou não recebam o seu público. O destaque da cena também melhorou e mudou diretamente a vida dos artistas, que em sua maioria, conseguiram meios de renda. Inicialmente, eles eram pagos com divulgação, hoje eles recebem por shows, recebem apoio e têm acesso a melhores equipamentos de estúdio, e o mais importante, estão sendo reconhecidos pelos seus talentos e arte.