Life Living Records - One Day ft Obey, O'kenneth, City Boy, Kwaku D.M.C
Life Living Records - One Day ft Obey, O'kenneth, City Boy, Kwaku D.M.C

A história do Drill em Gana

E os pontos-chave que levaram o single ‘Sore’, de Yaw Tog e os Asakaa Boys a serem notados por grandes nomes como Vic Mensa e Chance the Rapper

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A segunda matéria da coluna “Que cena é essa?” vai falar sobre o desenrolar da cena do Drill em Gana. No meio de setembro (2020), o gênero teve um “boom”, quando um tweet  viralizou e nos apresentou a 6 caras – até então desconhecidas do mainstream – rimando com ótimos flows em cima de um beat de drill ao estilo de NY.

Para entender este fenômeno, precisamos antes entender três pontos-chave que levaram o single ‘Sore’, de Yaw Tog e os Asakaa Boys a serem notados por grandes nomes como Vic Mensa e Chance the Rapper.

Bandeira da Kumerica

Gana e Kumasi

Gana é um país relativamente novo e, assim como a maioria dos países do continente africano, teve seu território e nacionalidade decretadas por iniciativa de grandes potências européias (especialmente França e Reino Unido). Tendo como marco a Conferência de Berlim, onde esses países partilharam o continente de acordo com seus interesses econômicos ao longo do séc XIX, que acabou ocasionando grandes conflitos étnicos e guerras civis ao longo da história moderna. Gana hoje é um país que possui 52 etnias em seu território de acordo com o Censo de 2010.

A fim de tornar as coisas mais simples, vou sintetizar e focar apenas na relação entre Accra e Kumasi, as duas cidades mais industrializadas e com maior densidade demográfica no país:

  • Accra, a capital de Gana é desde o período de colonização britânica capital da Costa do Ouro e importante ponto de comércio de escravos durante todo o período de exploração colonial. 
  • Kumasi é hoje a antiga capital do Império Ashanti, povo que resistiu à dominação britânica durante 60 anos sendo por fim incorporada à colônia e posteriormente ao país. Hoje, Kumasi é capital da província de Ashanti e tem maioria de moradores dessa etnia.

Sendo assim, a cena Hip-Hop de Gana concentra-se basicamente nesse eixo Accra – Kumasi, a primeira, por ser a capital do país possui maior infraestrutura e poder de disseminação por parte da grande mídia – que se concentra na capital. Porém, grandes nomes da cena ganesa surgiram da região de Kumasi, como Lord Kenya e Flowking Stone consolidando a região como um pólo cultural.

Kumerica

O termo Kumerica em si – até onde a barreira da língua nos permitiu apurar – tem um início difícil de definir. O ator Papa Kumasi, afirma que cunhou o termo décadas atrás, mas o mesmo geralmente é citado como tendo surgido de uma brincadeira de internet de dois integrantes da gravadora Life Living Records que, através da junção de Kumasi e América (Ku + merica) popularizou o ideal cena através da estética inspirada no drill de NY. Além de gírias próprias derivadas de um dialeto próprio de Kumasi, o Saka, que é uma mistura de Twi – outro dialeto falado na região central de Gana – e o inglês. 

A galera comprou a ideia e rolou uma forte identificação cultural da ideia de ter em Kumasi a capital dos United States of Ashanti (USA). Exaltando o mesmo estilo de vida luxuoso e gírias usadas no país norte-americano. A onda de Kumerica se tornou tão grande que uma petição foi apresentada ao rei de Ashanti para que o nome da província fosse alterado a fim de atrair investimentos e turismo para a área. Criando assim as condições perfeitas para o surgimento de uma nova cena.

Kumerica – flexão de Kumasi + America – imagem divulgação

A cena Drill

Com todas essas peças na mesa e um estúdio disposto a bancar a ideia – a Life Living Records,  o estúdio que pertence ao Kwaku DMC, que em 2017 já desenvolvia projetos com o City Boy -, logo a cena começou a se desenvolver e o estilo de rap cantando na Kumerica ganhou nome próprio: Asakaa.

Em dezembro de 2019 estreia o clipe de “One Day”, mostrando Obey, O’kenneth, City Boy e Kwaku D.M.C rimando em cima de uns beats de trap, mas já trazendo toda a estética que nos foram apresentadas meses depois. Já em agosto de 2020, O’Kenneth e Reggie lançam o álbum STRAIGHT OUTTA KUMERICA, que ao longo de suas 6 faixas traduz a vida em Kumasi e afirma a cena emergente. 

O reconhecimento internacional veio de um stories em que Virgil Abloh compartilhava o trecho do clipe de ‘Suzy’, single de Jay Bahd e Kawaku DMC. E então, aproveitando a hype, o rei do dancehall africano Shatta Wale – produtor de uma das faixas do Black is King, da Beyoncé – lança ‘Kumerica’, que então é considerado como o hino nacional do estado da Kumerica.

Finalmente, chegamos no viral de ‘Sore’ – na tradução significa “levante ou erga-se”-  que apresentam os Asakaa Boys para o mundo. A crew é composta por pelo menos 15 membros mas tem em City Boy, O’Kenneth, Reggie, Yaw Tog, Jay Bahd e Kawabanga os artistas que dão as caras no clipe. Cada um apresentando flows diferentes que culminam refrões intensos, enérgicos e que ficam na mente por horas. 

Esteticamente falando, o single traz como capa um quadro pintado pelo ashanti Richard Mensa que mostra uma reinterpretação das guerras de colonização britânica, mostrando um povo Ashanti vitorioso com os ingleses derrotados e em debandada. Compondo a mensagem clara de que a Kumerica está viva e relevante, de que o asakaa tem a intenção de superar o estilo de seus colonizadores e que eles irão juntos – como podemos observar nos vários feats dos sons lançados até agora.

Apesar de relativamente nova – e tecnicamente falando, não ter o mesmo tipo de infraestrutura para produção que NY e Brixton (UK) têm – Kwaku DMC tem a ambição de trazer se aproveitar da onda para trazer de volta a arte e a música para Kumasi. E como O’Kenneth e Reggie cantaram nos versos de ‘Bust’: “Kumerica niggas can no longer wait/All this hate, all this time, all these years/We probably shake the room with the flex as we say”. Cabe a nós observar o desenrolar dessa cena.

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