A primeira festa do Hip-Hop | Avenida Sedgwick, 1520

Há exatos 48 anos, um DJ e sua irmã entravam para a história, organizando a primeira festa de Hip-Hop, que criou o maior movimento pop do século XX

Eu particularmente sou um amante de shows. Eu adoro observar as performances dos músicos, os arranjos das músicas sendo executadas ao vivo, a resposta do público e a orquestração sinestésica de tudo isso junto. E um show que sempre que eu vou me marca são os shows do Marcelo D2. MC experiente (na caminhada desde 1976), o senhor Peixoto tem um tato/sensibilidade admirável de como conduzir multidões em grandes festivais ou públicos de centenas de pessoas num ambiente fechado (minha última experiência foi em 2018 no Sesc Pompeia). E um dos grandes marcos do artista no palco é a icônica frase:

Isso aqui é uma festa de Rap ou não é? Vamos fazer barulho nessa p#¢r@!

Agora porque eu trouxe o show do D2 pro nosso rolê de hoje? Essa frase é o coração do nosso debate hoje! Afinal, o que é uma festa de Rap? Ou melhor, o que é uma festa de Hip-Hop? Onde acontece? Como funciona? O que faz essa festa ser essa festa?

Bom, eu particularmente não me sinto apto a dizer o que é ou deixa de ser uma festa de Hip-Hop (minha carteirinha de guardinha está alguns patamares abaixo de tal carteirada). Mas gostaria de usar esse mote como ponto de partida para falar da festa que torna essa data de hoje – 11 de Agosto de 2021 – um dia fundamental.

Nesse mesmo dia, em 1973, dois irmãos nascidos na Jamaica colocaram num mesmo salão de festa na Av. Sedgwick, 1520, elementos que mais tarde dariam início à cultura que nos une em shows como o de D2 e tantas outras manifestações da nossa cultura.

O De Peão de hoje acontece na festa de Clive e Cindy Campbell. Hoje nosso rolê é na primeira festa da cultura Hip-Hop. Vamo que vamo!

South Bronx, o berço do Hip-Hop

Bora se localizar geograficamente no rolê. Estamos nos Estados Unidos da América. Em plena Guerra do Vietnã, (1959 – 1975), o presidente em atividade era Richard Nixon. Movimentos que propunham uma reformulação social (como os Hippies e o Woodstock, ou os Panteras Negras) levantavam suas bandeiras e lutavam pelos seu direitos nas ruas de cidades americanas. Guerra Fria, o homem na Lua e construção do ideal do Sonho Americano faziam parte do agitado fim dos anos 60 e início dos 70.

Dando um zoom na nossa localização chegamos ao bairro do Bronx, mais especificamente no South Bronx. O lugar habitado majoritariamente por negros e latinos, que sofriam com desemprego, violência e abandono do Estado. Com a saída de trabalhadores da classe média o bairro desvalorizou abrindo espaço para a entrada de drogas e gangues.

Proprietários que tinham imóveis na região contratavam pessoas para incendiar suas propriedades e receber dinheiro do seguro. Em meio a tudo isso o bairro se tornou um verdadeiro cenário de guerra na Big Apple. Destroços, ruínas e prédios abandonados compunham a imagem do lugar. Essa imagem do Bronx ficou imortalizada na exposição In the South Bronx of America do fotógrafo Mel Rosenthal e na capa do disco Undun (2011) do grupo The Roots que trás a foto de Jamel Shabazz.

Dois irmãos, uma cultura e uma ideia

Vindos do movimento migratório de Kingston para NY no final dos anos 60, Cindy e Clive Campbell eram jovens jamaicanos que viviam no South Bronx. Conhecido como Herc pelos amigos por conta da força física, Clive já era DJ e misturava, ainda de forma tímida, suas referências de Soundsystem com a música americana que tocava nos guetos da época (Earth, Wind & Fire, Funkadelic e James Brown).

No verão de 1973, Clive e sua irmã têm a ideia de comemorar o aniversário de Cindy fazendo um baile no salão do prédio que eles viviam, com cobrança de ingresso tendo DJ Kool Herc no comando da pista. Nesse trecho da história vale abrir algumas possibilidades de linha narrativa.

Alguns contam que o motivo da cobrança de ingresso era para a compra de materiais escolares. Outros, já dizem que era uma forma de levantar uma grana e complementar a renda familiar que era bem justa (lembrando que ainda estamos no South Bronx dos anos 70). Outras dizem que a cobrança era simbólica, mas o grande trunfo da festa era a venda dos salgadinhos da Sra. Campbell para os convidados.

Bom, lendas à parte, o certo é que a festa aconteceu e se tornou um marco do nosso movimento. Na noite de 11 de Agosto de 1973 foi o primeiro encontro dos elementos que viriam a constituir o Hip-Hop.

Herc usava uma técnica conhecida com Carrossel – técnica onde o DJ, usando um mixer e dois toca discos, com a mesma música em cada um dos toca, prolonga os compassos de breakbeat presentes nos Funks dos anos 70, dando mais bases para B-Boys e B-Girls dançarem. Os primeiros break dancers presentes, influenciados pelos movimentos de James Brown, desfilavam movimentos novos e únicos. MCs faziam jus ao termo Mestre de Cerimônia e conduziam a festa agitando a plateia e mandando improvisos durantes os breaks. Tags carimbavam os caderninhos e paredes do lugar. Isso era uma festa do Hip-Hop. Dali para frente, Kool Herc passou a rodar pelas ruas do Bronx fazendo suas festas (nascia as Block Party), e o Bronx nunca mais foi o mesmo!

O restante da história acho que vocês conhecem, né?

O Marco

Recentemente o Senado americano reconheceu oficialmente a data de 11 de Agosto como Dia da Celebração do Hip-Hop, e o mês de novembro como o mês da História do Hip-Hop. Hoje o endereço da Av. Sedgwick 1520 é um ponto turístico para todo amante da cultura que visita o Bronx. Para os mais tradicionalistas, podemos dizer que a ida à Av. Sedgwick seria como a peregrinação à Meca dos mulçumanos. Guardadas as devidas proporções e trocadilhos, o dia 11 de Agosto é uma data de fundamental importância para a cultura Hip-Hop.

NEW YORK, NY – NOVEMBER 28: A general view of 1520 Sedgwick Avenue in the Bronx, commonly recognized as the birthplace of hip-hop, on November 28, 2016 in New York City. (Photo by Al Pereira/Getty Images)

A forma que as coisas se deram, a mudança de perspectiva que essa noite trouxe e os desdobramentos até chegarmos aonde chegamos são história que precisam ser contadas de novo e de novo para as próximas gerações. Ali naquela noite foi plantada a semente e hoje seguimos semeando e colhendo seus frutos.

Thanks Cindy! Thanks Herc!
Peace, Unity, Love and Having Fun!

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