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Crate digging

Crate digging: Novas Formas de Caçar Discos

Hobby ou ocupação permanente, a caçada de discos é quase um manifesto pela música.

A forma de caçar discos sofreu transformações em 2020, mas não desapareceu, isso porque arte de Crate Digging para quem é produtor ou DJ, é natural. Na verdade, é uma das descrições do trabalho. Raras ou não, antigas, novas, nacionais ou estrangeiras, não importa. O importante é encontrar uma música que conecta, que vai dar um bom sample ou que vai encaixar no set.

Para os amantes de música, em geral, nada é mais gratificante do que ouvir um som novo que te deixa de queixo caído e se perguntando como nunca tinha ouvido aquilo antes. E para encontrar esse som que o crate digging existe.

Crate Digging

J Dilla e Madlib caçando discos na loja Discomania, São Paulo, em 2005

O que é crate digging? Para quê caçar discos?

A arte de crate digging ou “escavar caixas” remete à ideia de procurar por discos em um loja e sujar os dedos passando de um disco a outro. Ou ainda mais, para aqueles que são colecionadores, é literalmente cavar nas coleções pessoais de alguém que está se desfazendo daqueles discos num porão empoeirado, por exemplo.

Hobby ou ocupação permanente, a caçada de discos é quase um manifesto pela música. Não existem apenas pessoas aumentando suas coleções pessoais ao escavar brechós e sebos. É comum também encontrar uma galera que quer pegar aqueles discos antigos, raridades, e guardar melhor ou dar uma nova luz.

Daí entra, também, o papel dos produtores e samplers, que reimaginam músicas para criar um cenário diferente. Encontrar num disco antigo um pedaço de música para ser transformado é como encontrar um tesouro. A descoberta desse trecho específico com temas ou ritmos que possam ser reutilizados, remixados, modificados ou adaptado para criação de uma música nova é um dos prazeres do crate digging. É essa sensação que muitos dos produtores mais famosos não deixam passar.

J Dilla e Madlib caçando discos na loja Discomania, São Paulo, em 2005

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Nos últimos anos, o ressurgimento da popularidade do vinil reforçou ainda mais o papel daqueles que gostam de buscar por discos em lojas ou até mesmo em sites especializados. Atualmente é fácil encontrar na casa de pessoas mais jovens uma coleção de discos. Muitas dessas coleções são herdadas dos avós ou montada ao longo de buscas na casa de parentes mais velhos.

Caçar discos em 2020

Um ano diferente de todos, 2020 também causou danos ao crate digging, por vários motivos. As lojas sofreram por não poderem receber pessoas e os caçadores sofreram por estarem presos em casa – aqueles que são responsáveis. No entanto, isso não impede ninguém na era da internet.

Sites especializados, como o Music is My Sanctuary, servem como um exemplo das alternativas. Formado em 2007, eles têm como missão descobrir e apresentar músicas e artistas que a mídia mainstream deixa passar despercebido. Aliás, vão além pois buscam ser uma alternativa aos serviços de streaming que indicam música a partir de algorítimos.

Outra possibilidade para caçar discos é naqueles sites mais populares de compra on-line. As listagens que saem de contas pessoas têm discos a partir de R$15 reais até mais de dez mil reais. O valor de um disco depende da raridade, artista, qualidade de preservação e outros fatores. Existe ainda a alternativa de encontrar curadorias de resgate de discos e músicas antigas, por exemplo, no YouTube.

Algoritmo que ajuda

Quando você interage com um tipo de conteúdo, os algoritmos passam a entender que você tem interesse em conteúdos similares. A partir dessa leitura do teu comportamento, o algoritmo passa a recomendar coisas que ele entende que sejam parecidas. Isso cria um efeito bola de neve, por exemplo, você começa a ouvir um samba mais antigo e de repente está ouvindo um violonista húngaro.

Gabor Szabo – The Fortune Teller (Dream) 1969

E existem inúmeros canais agregadores de faixas e discos antigos, nacionais e internacionais. Dos mais obscuros até mesmo clássicos conhecidos. Há um número imenso dedicado aos gêneros de Jazz. Esses canais emulam um pouco daquilo que seria caçar discos em lojas. Você vê um thumbnail com uma arte diferente, um nome que você nunca viu, ou um nome que só ouviu falar, mas nunca parou pra escutar o som. E ali está, o YouTube sendo aquele teu amigo que fica dizendo para ouvir os gêneros mais experimentais possíveis.

Não é como se esses canais tivessem surgido do nada. Alguns estão aí há mais de cinco anos. Mas o algoritmo é assim e trabalha de maneiras misteriosas.

Hip-Hop nacional no YouTube

Uma experiência pessoal: em meio as indicações de MPB e Jazz experimental, algumas outras chamaram atenção. E o Hip-Hop nacional do começo dos anos 2000 começou a aparecer nas recomendações.

Claro que não sabia nem mesmo da existência desses discos, tendo passado minha infância ouvindo Rock e sem ninguém à minha volta para indicar Rap. Então, encontrar canais dedicados ao Hip-Hop nacional de vinte anos atrás foi uma surpresa e uma das melhores descobertas de 2020.
Imediatamente as produções do nordeste, minha terrinha, chamaram mais atenção. Até eu, dentro de minha bolhinha do Rock’n’roll, já tinha ouvido falar de Racionais, mas nunca saberia da existência de Consciência Nordestina, sem esse feliz acidente do YouTube.

Encontrar esses canais como o “Discografias Completas do Rap Nacional“, e canais relacionados, a exemplo do “Vídeos Raros do Rap Nacional” é um achado. Isso porque são preservações da nossa identidade e cultura, de uma época e de um jeito de fazer as coisas.

O bom do crate digging é que por aí, com certeza, tem um disco para cada gosto. E caçar esses sons, para preservar, tocar numa festa ou samplear, é pagar respeito e homenagem aos criadores. É impedir que caiam em esquecimento. Enquanto é ótimo a sensação de pegar um disco numa loja, as novas formas de caçar disco também servem ao mesmo propósito, que é apresentar relíquias e dar nova vida a essas produções.

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