House Music: opressão e resistência

Conheça a história, influências e alguns dos principais nomes da House Music.

Sejamos sinceros, qual a primeira coisa que você pensa ao ouvir falar de House Music? Provavelmente pense em rolês caros, bebidas superfaturadas e uma pista cheia de gente padrãozinha balançando o ombro. Certo? 

Errado! Falar sobre a House Music é falar sobre minorias, resistência e opressão. Vem com a gente nesse especial da trajetória da House Music! Você pode ouvir nossa playlist de House enquanto lê a matéria.

Contexto

Para entendermos o surgimento da House Music, primeiro é necessário contextualizar como as pessoas viviam nos Estados Unidos na década de 1970. Internacionalmente, os EUA tinham um cenário confuso e caótico com a derrota na Guerra do Vietnã, duas crises do petróleo que fizeram os preços do combustível disparar, e a desvalorização do dólar. Já internamente, a economia dos Estados Unidos via um cenário de inflação, recessão, desemprego e queda no padrão de consumo. 

Como se não bastasse, parte da população vinha sofrendo com a falta de direitos civis. E aqui vale lembrar que 1968 foi o ano do assassinato de Martin Luther King Jr. e da abolição das leis de segregação racial, luta a qual ele dedicou sua vida. Também foi o ano que rolou a queima de sutiãs, marco da luta feminista.

É nesse contexto que dois amigos de infância se criaram e, nas décadas seguintes, marcaram seus nomes na história da música eletrônica.

Frankie Knuckles e Larry Levan

Frankie Knuckles & Larry Levan. Sound Factory NYC, 1991

Frankie Knuckles e Larry Levan eram amigos de infância que cresceram no Brooklyn. Eles aprenderam a discotecar juntos graças a Nicky Siano, dono da discoteca The Gallery. A dupla também frequentava as festas no The Loft, apartamento de David Mancuso, que se tornou ícone na cena LGBTQIA+ em NY. Na época, eles aprenderiam como criar uma “cena” e alguns princípios básicos como som, iluminação e mixagem, além de valores como a democratização da música e das pessoas que frequentavam as festas. 

Após isso, Frankie se tornou residente na The Gallery durante a auge da Disco Music, enquanto Larry se tornava residente no icônico Paradise Garage. Foi um período importante na carreira dos dois para o desenvolvimento de técnicas de mixagem. Eles faziam as casas de NY lotarem  – tocando desde os clássicos da Disco aos sucessos italianos como também Rock e Punk –  e assim serem notados por promoters que estavam procurando alguém para levar o Disco de NY para Chicago.

The Warehouse

The Warehouse foi a casa onde Knuckles era residente, ela tinha o sistema de som projetado pelo engenheiro de som Richard Long, um dos melhores da época – que também assinou o projeto do lendário Studio 54. A Warehouse logo começou a fazer sucesso em Chicago, com os longos sets e mixagens dançantes de Knuckles, que havia conseguido criar na casa algo semelhante ao que se via na cena LGBTQIA+ de NY.

Inicialmente, Larry havia sido sondado para ser o residente, mas ele se recusou a largar a vida em NY e indicou Frankie Knuckles que aceitou a proposta para, em 1977, dar início à história de um dos picos mais icônicos do que viria a se tornar a música eletrônica.

No mesmo ano em que a Warehouse abria suas portas, “Os Embalos de Sábado à Noite” estreava no cinema com a trilha sonora de Bee Gees marcando o que viria a ser a era de ouro da Disco Music. A Disco estava em todo lugar, havia virado a nova hype do momento e com a música, artistas como Village People, Gloria Gaynor e Marvin Gaye começaram a incomodar uma parcela da população norte-americana, que não aceitava ver a mudança acontecer.

Disco Demolition Night

Uma dessas pessoas era Steve Dahl, um DJ e radialista frustrado, que havia perdido o emprego na rádio em que trabalhava para dar lugar a programas que tocavam Disco Music. Em 1979, Steve cheio de ódio declarou morte à Disco na rádio de Rock que trabalhava. No dia 12 de julho do mesmo ano, Dahl promoveu uma ação onde pessoas que levassem vinis de Disco pagariam mais barato para ver o jogo entre Sox e Tigers e, durante o intervalo do jogo, explodiu milhares de discos causando alvoroço no estádio lotado que gritava “Disco Sucks”.

Após isso, a popularidade da música caiu absurdamente e em menos de dois meses o gênero foi de seis músicas no top 10 da Billboard para nenhuma. O gênero e os amantes dele se viram fadados a ir mais para o underground.

Frequentada por um público majoritariamente negro, latino e LGBTQIA+, sob o comando de Frakie Knuckles a Warehouse era o lugar onde as pessoas iam para obter entretenimento barato (menos de um dólar para entrar) e esquecer os problemas que afetavam o país. Lá ouviam músicas tocadas entre 110 e 130 BPM que eram esticadas e mixadas com sintetizadores, drum machines e até gravadores de fita. Além desses equipamentos, o som da Warehouse era famoso também pelos samples de trem que Frankie soltava no meio de seus sets.

No final da década de 70, Knuckles havia pego o que aprendeu na cena de NY e desenvolvido uma estética própria de som que dominou a cena clubber de Chicago. Remixes como o de “Rock With You” do Michael Jackson faziam sucesso e eram ouvidos nas house parties graças a alguns sets e remixes que Frankie gravava e distribuía. Logo as pessoas começaram a ir nas lojas de vinis procurando pela “Warehouse Music”, ou pela forma abreviada de House Music.

A popularização do House

Enquanto Frankie dominou a cena clubber, cinco radialistas estavam fazendo o seu nome sendo pioneiros nas mixagens durante as transmissões. O chamado Hot Mix 5, composto por Farley “Jackmaster” Funk, Mickey “Mixin” Oliver, Ralphi Rosario, Kenny “Jammin” Jason, e Scott “Smokin” Silz editavam as músicas dos seus programas que todo domingo tocavam influenciados por aquilo que ouviam na Warehouse.

E foi assim que no início dos anos 80 houve um boom de novos DJs influenciados pela nova estética e pelo relativo fracasso inicial de vendas das drum machines, que lotavam os brechós e lojas de penhores. Quem tinha equipamento estava produzindo e quem não tinha ia nas casas dos amigos e conhecidos para aprender a mixar e gravar mixtapes para tocar nas festas do fim de semana. E foi por volta de 1982 que começou a se notar um certo padrão dos sons que eram produzidos.

O House produzido na época tinha como características linhas de baixo marcantes, caixa, bumbo e chimbal bem definidos vindo das drum machines. No ano seguinte, Frankie Knuckles toca pela primeira vez “Your Love”, que com os vocais de Jamie Principe iria se tornar um dos primeiros sons que definiram o que é a House Music na época.

O sucesso que o estilo fazia em Chicago, fez com que o público da Warehouse aumentasse e haviam dias em que mais de 600 pessoas lotavam a casa para ver Knuckles tocar. Isso fez com o público se tornasse mais diverso (leia: não somente os negros, latinos e LGBT) e a casa resolveu dobrar os preços dos ingressos. Isso fez com que Knuckles brigasse com a direção da casa, pois não aceitava essa decisão acreditando que sua música deveria ser para todos e assim, em 82 ele anuncia que deixaria de residir a casa e iria abrir outro clube baseado no que ele tinha de ideal. Assim surgia a Power Plant.

Ron Hardy na Music Box

Com a saída de Frankie da Warehouse, a casa logo fechou e em seu lugar surgiu a The Music Box tendo como residente Ron Hardy. Hardy era um DJ que gostava de experimentar durante suas performances, muitas vezes fazendo com que as músicas tivessem longas intros ou repetindo os refrões para aumentar o tempo das músicas. Devido ao vício em heroína, o DJ sempre achava que as músicas eram “muito lerdas” e isso fez acelerar o BPM tornando as músicas mais dançantes e fazendo da Music Box outro sucesso na cena de Chicago.

Produção

Em 1985, praticamente qualquer pessoa com uma drum machine em Chicago estava fazendo House e com o estilo dominando cada vez mais a cidade. O acesso a equipamentos como a TR-808, 909 e mais tarde a TR-303 ajudaram a moldar a estética de produção que tinha como características o baixo marcante, arpeggios, sintetizadores e o estilo vocal que eram arranjados em uma batida 4/4. A sonoridade vinda do Boogie e da Disco assumia uma forma mais crua e sintética. Estava na hora de expandir essa cena.

Larry Sherman era dono da única prensadora de discos que tinha em Chicago, e quando a primeira onda do House apareceu, ele lançou o selo Trax. Que como diferencial tinha a habilidade em colocar os discos no mercado em um curto espaço de tempo sem ter que depender de um grande selo para fazer isso. Larry recebia as músicas, analisava-as rapidamente e se achasse que eram boas fazia o “contrato” com o artista e prensava os discos fazendo-os circular em uma semana. Assim rapidamente a Trax virou o selo dominante no estilo.

Como os DJs queriam ter suas músicas lançadas o mais rápido possível e a Trax conseguia distribuí-las rapidamente, acabavam assinando contratos que poderiam desfavorecê-los financeiramente, pois terminavam passando os direitos da música em totalidade para a gravadora em troca de uma quantia de dinheiro no ato da assinatura, o que muitas vezes não representava o ganho real que aquela música iria gerar para a gravadora.

Mas a gravadora de Larry era a mais barata de Chicago e os produtores queriam lançar seus discos e garantir que Knuckles ou Hardy tocassem suas músicas nos clubes. Em entrevista para a Red Bull Music Academy, Jesse Saunders afirma que Larry Sherman dava calotes nos contratos  que assinava, muitas vezes vendendo cópias não autorizadas de singles que estavam estourando na época. Adonis, que produziu o hit “No Way Back” em 86 até hoje luta na justiça para receber o pagamento dos royalties que a Trax Records lhe deve.

House ganha o mundo

Em 1987, Marshal Jefferson lança o EP Acid Tracks pelo selo da Phuture, lançando também as bases do que viria a ser o Acid House com elementos psicodélicos conseguidos pela TR-303. O House começa a se espalhar pelo mundo e ganha toques regionais como Jestofunk e Black Box com “Everybody Everybody” na Itália, Daft Punk na França, os alemães da Snap!, com “Rhythm is a Dancer” e Satoshi Tomiie no Japão.

No mesmo ano, Frankie Knuckles, Marshall Jefferson, Adonis e Larry Heard saem em turnê pela Europa no que viria a ser chamado de “Summer of Love”. Os quatro tocaram em clubes como a Hacienda, casa do acid house em Manchester (RU) e o Amnesia, em Ibiza (ES).

Nos anos 90 a House chega no Brasil e é abraçada pela cena LGBTQIA+, tocando em clubes como Massino e o Sound Factory em São Paulo, Kitschnet e a Val Demente no Rio, além da mineira The Great Brazilian Disaster. E aqui vale um salve para Ricardo Guedes, DJ Marky, Iraí Campos, DJ Robinho, Marcos Morcef e Mauro Borges como alguns dos nomes que ajudaram a pavimentar a cena por aqui. 

Mesmo se tornando uma cena consolidada e tendo suas origens muitas vezes esquecidas, a House Music se mantém relevante nos dias atuais através de DJs como Honey Dijon, Carl Cox, Peggy Gou e Channel Tres. Além de flertar e influenciar trampos no Hip-Hop como Ashira, NiLL, Tasha e Tracie, Tárcis e lá fora, por exemplo, Megan Thee Stalion. 

Nascida das cinzas da Disco Music, o House moldou e influenciou toda a produção de música eletrônica nos últimos 40 anos. Confere nossa playlist com uma seleção do puro suco do House para entender melhor os elementos do ritmo:

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