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“Crua”: O universo criado por Bella Kahun e Mazili

" A gente abriu um caminho novo na floresta e dá para passar por ele quando quiser" Mazili

Em setembro de 2020 fomos agraciados com o lançamento de “Crua“, disco de estreia Bella Kahun, produzido por Mazili. Crua destaca-se como um dos registros mais pessoais do ano passado. O álbum é um compêndio das experiências acumuladas pela jovem de Pernambuco, do que viveu entre amores e desamores em seus 20 anos de vida, que se confundem com seu tempo de carreira. 

Bella Kahun: Crua

Maria Isabela Ferreira Alves (Bella) canta, compõe e toca violão desde muito jovem. Incentivada por seu pai, não demorou muito para chamar a atenção da cena local de Garanhuns (PE). Em 2018 foi chamada para integrar o selo musical PE SQUAD. Com o selo Bella fez sua estreia solo, dando o pontapé profissional em sua vida artística. 

Inspirada pelo Jazz, Brega, Bolero, MPB e R&B, a artista juntou-se ao produtor Mazili (CEO do selo) na concepção de “Crua”. Em 10 faixas, Bella Kahun constrói seu universo aliada a uma musicalidade apurada e bem lapidada pelo produtor musical. O Kalamidade conversou com a dupla a respeito dos processos que envolveram a concepção dessa obra e você pode conferir aqui abaixo.

Mazili e Bella: início da caminhada

K: Mazili, muita gente te conheceu por sua participação na produção de Sulicídio, mas quem é o Mazilli além disso?

M: O Mazili daquela época aprendeu muita coisa e mudou bastante. Sou uma pessoa tranquila, que só quer fazer um som e ser feliz. Aqueles tempos foram muito agitados, me ensinaram que a vida tem que ser mais leve.

K: E você, Bella? Como você começou nesse rolê de música e como surgiu a parceria com a PE SQUAD?

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B: Estou nesse rolê de música faz tanto tempo, acho que desde sempre, sabe? Escrevendo músicas para painho no aniversário dele, aprendendo a tocar violão aos 10 anos, começando a cantar (ou tentar) nos bares da cidade com 14/15 anos. Não sei datar ao certo o início disso tudo, mas posso afirmar que tudo se concretizou em 2018, quando entrei para a PE SQUAD. Entrei dois anos depois do início de tudo, mas sinto que estive desde sempre. (Rafael) Gaijin (produtor do Selo) que me viu e que me deu um campo de visão maior sobre o que fazer naquela época. Logo depois Mazili e ele me convidaram pra colar no estúdio, como quem não quer nada e logo estava eu vestindo a camisa da gang e ouvindo “Escama” (canção de Luiz Lins). A partir disso é que tudo fluiu para o que é hoje.

Musicalidade Crua

K: “Crua” é um álbum marcado por influências que passam pelo R&B, Jazz, Brega, Bolero e etc, qual foi o processo criativo de vocês? Principalmente de Mazilli ao utilizar de referências que fogem tanto do rap.

M: A gente ouve muito dessas influências, são músicas que tão no nosso dia a dia. O caminho foi levar cada música para o sentimento que ela transmitia, a gente quis muito fazer músicas que não pareciam com o que está sendo feito. Mas fazer tudo isso também me trouxe muita insegurança, porque era um terreno que eu não conhecia tão bem, fiz tudo diferente do que sempre faço, mas acho que deu certo.

B: E falando sobre o processo criativo, creio que o meu foi viver. Só crescer e experimentar, sair de noite para paquerar aqui na cidade, me envolver e sentir o peso que o coração carrega. Não consigo me forçar a compor, sinto que é aí o meu ponto fraco. Gosto mesmo é de sentir vontade, pegar a viola e tirar uma braba sobre o que estou sentindo, vivendo. O meu processo para o “Crua” foi esse, a composição foi fácil demais.

M: Dentro dessa insegurança de “ou tá bom mesmo ou é um surto coletivo”, a gente estava gostando muito dos sons e o projeto foi ficando maior, quando a gente viu tinha virado um disco. Mas mesmo assim também tiveram músicas que demoraram bastante a tomar um caminho, teve música que eu fiz algumas versões para escolher a certa.

K: Nesse rolê da insegurança, o que foi mais difícil nesse processo de sair da área de conforto para produzir algo diferente dentro de seu próprio trabalho e que se difere do resto da cena?

M: Além de mostrar para o público um som que eles não estão acostumados a ouvir, a parte mais difícil foi não ter uma referência sonora exata. Eu não sabia se estava num bom nível ou se parecia uma tentativa fracassada.

Dentro do disco:

K: Demorou para vocês encontrarem um direcionamento ideal pro disco? Como fluiu esse fluxo produtivo dentro do estúdio?

B: Demorou pra gente entender que não tinha como não ser um disco. Estávamos trabalhando num EP, mas algo aconteceu, acho que foi quando a gente ouviu as primeiras canções gravadas no estúdio. Foi intenso demais, em um dia já tínhamos gravado ¾ das canções que compõem o disco e sempre buscando tirar o melhor de nós para elas. O nível estava alto, como Mazili disse no minidoc sobre o álbum, a gente só acabava quando chegava ao resultado que queria ou perto dele. Perfeccionistas ou pessoas que capricham, vai de escolha (risos).

K: Mesmo sendo seu primeiro álbum você se apresenta muito confortável dentro de sua proposta e universo criado dentro do disco, qual foi a forma que você encontrou artisticamente para produzir esse resultado?

B: Tem o peso de ser um álbum e ser o meu primeiro álbum, mas não só pareço como me sinto confortável com tudo o que fiz e fizemos. Amo todas as canções, a forma como conversam e como a estética para os clipes caiu que nem luva. Sempre conspirou para dar certo, até quando achamos que não daria. Eu só me encontrei foi lançado, quando vi o meu trabalho finalizado e vi que alcancei o resultado que tanto desejei. Realização pessoal é meu maior desejo, e me realizei bastante com o resultado do “Crua”.

Referências

K: Você mencionou seu pai, e dá para perceber que ele tem uma importância muito grande pra ti, tem até um interlúdio no álbum que você divide com ele. Qual a influência dele na sua caminhada, principalmente na sua formação musical?

B: Rapaz, se não fosse por tudo o que ouvi quando criança ao lado dele, talvez o trabalho não tivesse essa estética visual que existe, bota fé? Tocar violão por influência dele, por querer saber fazer aquilo também. Cantar, comecei cantando Beatles, tudo por culpa direta dele. Então é de grande importância Alexandre Kahun estar no álbum, Mazili arrebentou na produção da faixa porque nem eu sabia que ele tinha colocado pai ali, foi lindo demais.

K: Aproveitando essa resposta e perguntar pra Mazili como surgiu a ideia de colocar o áudio do seu Alexandre em “Verso Incerto”.

M: A ideia era usar de colagem em alguma música, não ia ser exatamente em “Verso Incerto”. Rostand (produtor e videomaker do Selo) que gravou esse áudio de Seu Alexandre e ele funcionou como um interlúdio que também era uma chamada para a “Boêmia”. Se a gente olhar o contexto da vida de Bella, tanto familiar quanto musical, tinha que ser desse jeito aí.

A importância de Crua

K: Dá para perceber que toda a produção de “Crua” foi bem intensa para vocês. Qual é a experiência que vocês dois tiram deste trabalho, sendo o primeiro álbum de Bella e um caminho novo para Mazili como produtor?

B: Rapaz, eu vejo o “Crua” como o meu despertar para essa coisa toda, sabe? Dar a cara a tapa mesmo, mostrar que é mais que voz e que a matéria prima é a arte. Vivenciar o disco, construir cada processo com carinho, foi a coisa mais real que cheguei perto de sentir e fazer por mim e por outros. Cada processo me construiu pra o resultado que sou hoje, algo verdadeiro, sensível e cru.

M: Foi importante enxergar as novas possibilidades e conseguir executar bem uma coisa que não tínhamos feito antes. Todo mundo fez na mesma sintonia, algumas músicas foram mais fluidas, em outras a gente quebrou a cabeça um pouquinho, mas finalizar com qualidade nós conseguimos. A partir disso se abriu um leque diferente, a gente abriu um caminho novo na floresta e da para passar por ele quando quiser.

PE SQUAD

K: A PE SQUAD vem fazendo um trabalho incrível e mostrando que existe muita qualidade no rap nacional e na música brasileira fora do eixo RJ-SP, como vocês enxergam esse trabalho e sua importância dentro da cena nacional?

B: Não haverá outro “Crua”, não existirá outro “Plástico” e não há outros envolvidos iguais aos que estão presentes nas produções da PE SQUAD. Talvez seja prepotente de dizer ou um pouco foda de ouvir, mas as pessoas que constroem esses trabalhos são únicas, entende? É tudo muito particular e amado quando nos botamos pra fazer cada canção e cada clipe. A essência está em falta hoje em dia e creio que nossa importância na cena nacional é mostrar que ainda existe originalidade onde muita gente acha que não. Porque olha só de onde viemos e veja onde estamos, até onde chegamos. 

M: O nosso trabalho foi e é muito importante principalmente para cena local. Ter atraído olhares, fortalece o sentimento de que pode sim ser feito por alguém daqui. Geralmente o acesso é mais difícil, ou não se enxerga uma perspectiva tão clara e isso vem mudando. Quanto a visão nacional, é importante representar um dos estados do Nordeste enquanto toda região vem ganhando força. Começamos isso lá em 2016 e pretendemos continuar por muito tempo, expandindo e levando essa bandeira por aí.

K: O que podemos aguardar dos futuros projetos de vocês?

M: Temos muita coisa guardada, tanto de Bella, quanto meu, projetos com outras pessoas e o disco de Luiz Lins. Tem músicas que iriam sair em 2020 e não deu certo por conta da pandemia, mas agora vai.

B: Esperem sempre mais, acho que é isso que também espero. Porque pô, foguete não tem ré! (risos) E nós temos um ao outro e muitos outros por nós. Já deu certo! 

K: Obrigada, Bella e Mazili, sem palavras.

Para você que está sempre buscando conhecer outras cenas, acompanhe a coluna Que cena é essa? e acompanhe as novidade.

Ouça o disco e conheça “Crua“:

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