Hip-Hop Industrial, as vezes chamado de noise rap ou Hip-Hop experimental, é mais um ramo da música industrial. Um gênero que foi descrito como “música industrial para pessoas industriais”, por um de seus pioneiros, Monte Cazazza, capitalizando nas experimentações da música eletrônica com barulhos cotidianos e sintetizadores.
Seja na eletrônico ou no metal, o gênero industrial se utiliza do barulho e estética caótica de suas músicas para tratar da vida cotidiana de pessoas comuns, protestos anti-governo, anti-policiais e anti-guerra. Ou para tratar do macabro, em instrumentais que parecem trilha de filme de terror, no horrorcore. No Hip-Hop não poderia ser diferente, e em meio a tantos conflitos e divisionismo político, grupos como clipping., Death Grips e o rapper-produtor JPEGMAFIA, atualizam o som e a estética e continuam a expandir a barreira de onde o noise-hop pode chegar.
Fundação
Iniciado por Mark Stewart, vocalista do “The Pop Group”, banda precursora do pós-punk, quando ele lançou o álbum “As the Veneer of Democracy Starts to Fade” (1985), gravado na Sugar Hill Records, o Hip-Hop industrial tomou forma com essa mistura de artistas do punk ou grindcore com estética e produções do rap, se aprofundando em uma linguagem crítica à sociedade e explicitamente política.
Artistas como Public Enemy e outros rappers/punks como Techno Animal e EL-P fizeram os primeiros movimentos do gênero, mostrando como funcionaria a mistura dos tradicionais breakbeats e scratches em conjunto com drone music e samples de barulhos, coisas como sirenes, sintetizadores e guitarras.
O álbum de estreia do grupo Dälek, “From Filthy Tongue of Gods and Griots” (2002), chegando num momento pós 11 de setembro, põe o caos no volume máximo, questionando religião, a divisão de classes e a perseguição sofrida por negros.
Eu uso pele como Jesus, cansado de pregadores de merda preocupados com fetos abortados, mas não se importam em nos alimentar, discurso tão tedioso. (…) Sendo escravos desde os dias de Julius Cesar, a necessidade do homem em dominar sobrepõe a necessidade de respirar.
Dälek – Spiritual Healing – 2002
Virando pop
Enquanto o Hip-Hop mainstream era dominado por alguns dos melhores rappers da história com Jay-Z, Eminem e Lil Wayne e marcado pelas lovesongs de 808 & Heartbreaks e o surgimento de Drake, noise rap se mantinha underground com trabalhos de EL-P e Saul Williams, e com o surgimento de Death Grips e sua primeira mixtape “Exmilitary” (2011). Até o momento em que Kanye West começou a fazer uso da estética barulhenta em músicas dos seus álbuns mais celebrados.
Em “Yeezus” (2013), Kanye abre o álbum com um sintetizador distorcido, sinalizando um distanciamento de seu trabalho anterior, o aclamado “My Beautiful Dark Twisted Fantasy” de 2010. Nessa obra, o rapper e produtor faz uso de distorções em sintetizadores, vocais e samples de um modo frenético, experimentando com música ambiente e grindcore, trazendo o rap industrial para frente. Em “The Life of Pablo” ele continuou incorporando o noise rap, por exemplo, na faixa “Feedback“.
Atualizando o underground
Paralelo a isso, surgiam dois grandes nomes do Hip-Hop industrial, com dois dos melhores rappers de todos os tempos. Em Death Grips, o rapper MC Ride faz uso excepcional do seu estilo vocal agressivo em parceria com as ideias percussivas de Zack Hill, baterista de uma banda de noise-rock chamada Hella. Com letras criticando a obsessão das pessoas com a internet e as forças que nos governam, a gritaria de Ride, manipulada de diversas maneiras, dá sempre um senso de urgência a todas as músicas do grupo. Não há músicas calmas no catálogo de Death Grips, mas não há monotonia, também.
O outro grupo inovador no gênero é clipping., trio liderado pelo rapper e ator Daveed Diggs (Snowpiercer, Hamilton). Daveed não tem a mesma entrega agressiva que MC Ride ou outros artistas do Hip-Hop industrial, mas compensa com estrofes rápidas, fortes e uma capacidade absurda para contar uma história. Na produção, sons não convencionais preenchem cada camada possível, ou é esparsa como em “Get Up”, em que a maior parte do instrumental é o som de um alarme. Assistir essa apresentação do grupo para a rádio KEXP é ver um dos produtores fazendo som com um microfone dentro de um ponto cheio de cacos de vidros, e isso é clipping.
Hip-Hop Experimental no Brasil
Apesar de ter demorado para chegar ao Brasil, é claro que teríamos nossos próprios destaques. Um país que tem destaque na música eletrônica, tão experimentador que é capaz de gerar o funk a partir de uma perninha do Hip-Hop, ou transforma grime em brime, também põe seu próprio tempero na barulheira organizada do Hip-Hop industrial.
Através do selo QTV, Saskia lançou álbum homônimo em 2019, que experimenta com diferentes gêneros, nem sempre encaixando em algum. A manipulação de voz, junto com a pegada eletrônica, mas sempre em algum tipo de batida, a aproxima de nosso industrial. Faixas como “Fuk U” e “Apagão”, são exemplos da artista colocando um pé nesse gênero. Em Apagão há participação de Tantão, que também é um dos artistas desse gênero.
Em “Drama”, de 2019, Tantão e os Fitas mergulham mais claramente no Hip-Hop industrial (ou tão claramente quanto é possível caracterizar um gênero experimental). Os Fitas, que são Abel Duarte e Cainã Bomilcar, produzem as batidas e misturas sonoras que servem de base para Tantão (Carlos Antônio Mattos) soltar suas ideias sobre a política brasileira e o estado das coisas em nosso país.
A divisão! Vai rolar!
Trecho de “Música do Futuro” do álbum Drama de Tantão e os Fitas
Mundo divido, de novo!
O Hip-Hop industrial faz uso da sua estética sonora, incorporando muito barulho, para subverter a expectativa de sua audiência e abordar temas mais agressivos, assim como seu som. Artistas como clipping., que em outubro lançou a segunda parte de seu álbum duplo de halloween, Tantão e os Fitas, com lançamento novo no começo de novembro, mostram que ainda há muitos caminhos para onde o gênero pode se desenvolver.