Nas pistas de BH, na Girlgang Fenda e em nossos fones: conheça DJ Kingdom

Trocamos uma ideia muito firmeza com a DJ Kingdom. Conheça as vivências e visões dessa artista tão importante para a cena.

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Salve, rapa! Gustavo por aqui neste que é o meu primeiro texto para o portal Kalamidade. Primeiramente, vale agradecer a oportunidade de fazer parte desse projeto tão necessário para a valorização do Hip-Hop em todos os seus elementos, vida longa KLMDD!

O “Pega a Visão é um quadro que indicamos artistas da cena nacional que, na nossa concepção, merecem um destaque maior: pela qualidade e relevância dos seus trabalhos. E para nossa primeira matéria, tive a honra de entrevistar a DJ do mais importante grupo de rap em atividade no Brasil – na humilde visão deste que vos escreve. Estou falando da DJ Kingdom, do grupo belorizontino Fenda!

Thais Aparecida Pires Alvim, é natural de Contagem, município da região metropolitana de Belo Horizonte. Conhecida nas pistas como a DJ e produtora Kingdom, ela tem um set marcado pela celebração do poder feminino e pela mistura de diferentes ritmos da música negra brasileira e mundial. Além de estar a frente da cena cultural de BH com rolês como a Baile Room, Bronka e Muvuka.

E pra falar mais sobre sua paixão pela arte em todas as vertentes, sua trajetória como DJ e a importância de todos os seus projetos, Kingdom trocou uma ideia muito firmeza com o KLMDD, onde a gente pode conhecer mais sobre o trabalho, as vivências e visões dessa artista tão importante para a cena cultural mineira e nacional. Na voz, DJ Kingdom! 

Kingdom por ela mesma

Kalamidade: Pra começar nosso papo Kingdom, queria que você falasse primeiro sobre essa sua trajetória com a arte. A gente sabe que você é uma mulher apaixonada pela arte em várias vertentes, e que tem uma atuação muito presente e forte no meio artístico e cultural que você vive. Então como aconteceu essa sua conexão tão forte com a arte, a ponto de te colocar em tantas frentes, coletivos e ações que vivem e lutam pela cultura urbana?

DJ Kingdom: Olá, eu sou a Kingdom! Tô nesse projeto musical com a Kingdom desde 2016 quando eu fechei um ciclo de carteira assinada, eu trabalhava em uma empresa grande aqui de Minas Gerais e decidi por querer iniciar um novo ciclo.

Esse novo ciclo não poderia ser diferente, eu não poderia iniciar de forma diferente a não ser na música que sempre foi o meu refúgio. Eu não tenho parentes músicos, na minha família não têm artistas, eu acho que eu sou a primeira, a pioneira, tô puxando isso na família, mas a gente sempre cresceu com uma base cultural muito forte.

Meus pais sempre consumiram muita arte, desde música, cinema, teatro, livros. Então, cresci com essa base e me senti à vontade de entrar na música de cabeça e poder fazer parte dela, poder fazer a diferença. Desde 2016 eu venho estudando, tenho buscado melhorar cada vez mais. E acho que essa busca por melhoras, tanto pra mim pessoalmente, quanto para a sociedade que eu convivo e vivo, eu acho que isso faz a diferença.

Estar a frente de projetos que buscam alimentar a cultura de alguma forma, despertar o desejo de estar vivendo, não só de música, mas estar vivendo de arte, eu acho que é parte desse processo de busca por melhoras. A música é meu refúgio, ela é meu escudo, ela é a minha guia.

Eu acho que uma coisa atrai a outra, essa paixão por ser mudança, por ser um elemento, uma ferramenta de transformação, eu busco isso naturalmente. Não acho que é algo que eu precise forçar, e fico muito feliz de estar a frente de vários projetos musicais como a Baile Room, a Bronka, a Fenda.

DJ Kingdom

K: Falando agora sobre sua atuação como DJ Kingdom. Você tem um set muito amplo e carregado de repertório. A celebração do poder feminino é uma marca forte dos seus sons. Eles mostram um conhecimento musical também muito diverso, misturando ritmos de hip hop, funk, afrohouse, dancehall, chill baile, jazz, trap, brasilidades, e influências de diferentes ritmos da música negra brasileira e mundial. Então queria que você falasse um pouco sobre a importância dessa carga cultural nas suas produções como DJ.

DJ: Interessante, eu acho que eu nunca fiz um set total só de um estilo musical, eles sempre se interligam. Eu começo com um hip hop, que me leva pra um afro, que me leva pra um house, eles são carregados de conexões. Até porque a maioria dos ritmos musicais foram fundados pela cultura negra, então eles têm uma conexão que é muito natural, é muito como esse fluxo da vida mesmo, eles vão se conectando.

Quando a gente percebe essa conexão, quando a gente têm conhecimento dessa conexão, é inevitável não trazer essa bagagem de estilos musicais. Eu amo ouvir um pouco de tudo, eu sou assim, muito louca, eu frito em música, ela me leva pra lugares inimagináveis. Eu acho que cada estilo que eu tento colocar no meu set é pra trazer essa bagagem que eu tenho. E tentar diversificar ao máximo, poder tocar diversos estilos pra que as pessoas vejam também que é possível a gente fazer um mix com um pouco de tudo, fica legal, fica autêntico. Mas a gente tem que fazer isso com uma conexão, com conhecimento. Você precisa saber o que você tá tocando e porque você tá tocando, eu acho que essa é a importância.

Essa é a Kingdom. Uma mistura de tudo, eu acho que eu não me limito e isso é o que me possibilita ter essa variação, essa diversidade musical. E eu gosto muito, eu acho que essa é a minha identidade. Essa é a identidade da Kingdom hoje.

Pelas pistas de BH

K: Kingdom, você já faz parte do movimento cultural de BH há um tempo, inclusive sendo uma das precursoras do Baile Room, inspirado no Boiler Room londrino. Também participa do Muvuka, que tem uma proposta maior de resgate das origens musicais. Queria que você falasse um pouco sobre esses projetos, e como você vê a importância deles para esse movimento cultural de BH?

DJ: A Baile Room é a minha casa, né? A Baile Room virou nossa casa, nosso refúgio mesmo. Ela foi premeditada pra ser um local democrático, sem barreiras, sem limites, pra gente poder trazer músicas do mundo inteiro, trazer produções nossas. Jogar na pista e o público entender isso, absorver e celebrar junto com a gente essa troca.

A Baile Room hoje consolidou mais a gente como artista. Nós amamos o que fazemos, mas a Baile Room trouxe essa certeza de que é isso que eu quero. E hoje tem eu, tem o VHOOR que é um dos maiores produtores musicais no momento do Brasil e do mundo, a música dele toca no mundo inteiro, e a gente sabia desse potencial dele lá atrás, quando criamos a Baile Room. E é muito legal ver um companheiro que tá em um desenvolvimento rápido e inteligente musicalmente, isso é muito foda.

Tem o Kramer que também tá criando uma estética sonora, ele já tem uma estética visual muito forte, ele é o nosso designer oficial, e tá criando essa estética visual e sonora, linkando os dois. Tem o Danv também criando essa estética sonora e visual. Ah, eu sou muito fã dos meninos, e a Baile Room possibilitou esse encontro, não só entre nós os criadores, mas também com o público, que se identifica com o nosso trabalho, com essa democratização do espaço, com esse resgate musical que a gente traz.

A partir disso a gente também conseguiu montar a Muvuka, eu, o VHOOR e o Danv, onde a gente fez alguns rolês. Tocávamos músicas de origem africana, brasileira, variantes da cultura negra. Foi importante demais pra gente poder se assistir nesse movimento e a galera se identificar, porque era real o que a gente tava fazendo, esse link com outras culturas e trazendo aqui para Belo Horizonte esse espaço onde as pessoas podem ter esse tipo de experiência, experimentar. Isso é muito foda. 

A Muvuka e o Baile Room são minha casa, é onde eu me sinto bem e vida longa a esses dois projetos.

K: Você também tá muito presente em projetos que promovem a diversidade, como a Batekoo, que vem se tornando um importante manifesto do movimento negro e LGBTQIA+ no Brasil. Também é idealizadora do Bronka, um evento mais focado no público feminino e LGBTQIA+. Queria uma visão sua sobre o valor da acessibilidade cultural e empoderamento que esses projetos carregam por meio da música e da dança.

DJ: Ser convidada pra projetos como a Batekoo – o pessoal lá de São Paulo me convidou pra estar representando o movimento aqui em Belo Horizonte – foi uma honra, porque a Batekoo promove um trabalho incrível Brasil afora, em Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro. Eles têm um trabalho de base que é muito foda, que é colocar essa cultura negra periférica em evidência, como palco. Porque a gente vê muitas vezes essa cultura sendo tratada como secundária, como uma cultura de efeito, mas ela não é só um efeito, ela causa o efeito, ela é transformação. A Batekoo é necessária pra transformar ambientes, e viajou pra fora do país, representou o Brasil no afropunk, por exemplo. Então foi uma honra ser convidada por eles.

Aqui em Belo Horizonte a gente teve essa mesma ideia, até inspirada pela Batekoo, com a criação da Bronka, um projeto total voltado para o público LGBTQIA+ e feminino, onde a gente promove workshops, festas, troca de ideia. A gente tá estabelecendo esse local de comunicação entre as “minorias”, porque nós DJs mulheres e LGBTQIA+ somos minoria, mas creio que por falta de um acesso à informação e por falta de investimento.

Então criamos esse espaço da Bronka pra gente poder discutir e debater essa questão, e colocar a mão na massa. O que a gente precisa pra ter mais mulheres tocando? Mais LGBTQIA+ na pista, fazendo dinheiro, espalhando informação? A gente viu que era necessário criar essa troca de diálogo, e criar um espaço onde a gente pudesse ensinar meninas a serem DJ’s, passar alguns fundamentos básicos da discotecagem, para que esse público consiga chegar lá e ocupar espaços com qualidade, com conhecimento, com postura de saber.

Essa é a nossa preocupação com a Bronka, criar esse espaço para ter mais mulheres na pista, mais DJ’s LGBTQIA+ na pista, trabalhando, fazendo dinheiro e ocupando espaços majoritariamente ocupados por homens. A gente tá plantando uma semente no coração de cada um que vem pra conhecer a Bronka, participar de uma aula, de um bate-papo, a gente vai plantando a semente do: “Você consegue, você pode, vem com a gente!”.

Fenda Gang

Bom, não tem como falar de DJ Kingdom e não falar de Fenda, com certeza um dos grupos mais promissores e importantes, do rap mineiro (e nacional). O grupo traz cinco artistas com trajetórias e trabalhos importantes em suas carreiras solo, e que estão abrindo o caminho com ideias, emoções, percepções e vivências tão diferentes. foi formado pra fazer a abertura de um show do Criolo em BH e, para o bem do rap nacional não acabou por aí.

K: Qual o significado de fazer parte desse grupo?

DJ: Fenda, eu tenho muito orgulho desse projeto, do que a gente está fazendo e do que está por vir. Trabalhar com essas artistas maravilhosas Paige, Mayí, Iza Sabino, Laura Sette, e comigo nesse âmbito de cinco cabeças pensantes é um desafio que me coloca à frente de muita evolução dentro da arte, dentro da música.

A Fenda é um grupo necessário na atual conjuntura política/musical do cenário brasileiro e mundial. A Fenda tem um poder, uma força, que talvez a gente tenha essa noção ou talvez não tenha, porque estamos dentro dela, não temos a visão de quem está de fora, mas a gente sente essa força. Sente que é necessário caminhar com esse projeto, levar ele a frente, pra que tome uma dimensão onde a gente possa olhar e falar: “É aqui que a gente queria chegar. Esse é o respeito que a gente gostaria de ter. É sobre isso que a gente gostaria de falar”.

É muito foda a gente ver que cada vez mais pessoas têm escutado a Fenda. Olhado para a Fenda com um olhar diferente, não só como cinco meninas belorizontinas do rap, a gente tem sido respeitada pelo o que vínhamos fazendo nas nossas carreiras solo, e o que estamos fazendo na Fenda é necessário.

Eu sou só orgulho desse grupo. É muito louco a gente poder tocar, não só mulheres, mas em sua maioria mulheres, crianças, poder dialogar com o público mais diverso possível através das nossas músicas, dos nossos pensamentos, da nossa ideologia. É sobre isso, a Fenda é um encontro de vidas, de almas dispostas a ocupar e transformar espaços.

Papo de futuro, corres na pandemia e novidades com Karol Conká

K: Sendo uma das maiores promessas pro rap em 2020, inevitavelmente o grupo sentiu o impacto da pandemia e do isolamento social, que impediu vocês de fazerem shows logo no começo dessa caminhada. Ainda assim, com lives e o Festival Sarará, esse ano feito totalmente online, vocês tiveram a oportunidade de mostrar pro público que ao vivo a Fenda é ainda mais foda, incluvise com uma participação da Karol Conká em Girlgang, que é uma referência especial pra todas vocês né? Queria que você falasse sobre essa nova forma de trabalho que surgiu com as lives e essa apresentação linda do Festival Sarará.

DJ: 2020 não vem sendo um ano fácil pra ninguém, e pra nós artistas onde o show presencial, com multidão, é a nossa principal fonte de divulgação do trabalho e principal fonte de renda. A gente teve que adaptar pela tecnologia das transmissões de lives, algo que salvou muito o processo de divulgação, de poder disseminar a nossa palavra.

A Fenda fez isso com bastante cuidado e carinho para todos os nossos fãs, todas as pessoas que estavam chegando agora para conhecer nosso trampo. A gente fez uma live no início da pandemia, lá no nosso QG, onde a gente fica a maior parte do nosso tempo bolando os planos e os próximos passos na Macaco Lab, que é a nossa firma.

E a gente fez a live do Sarará que foi em um palco no Mineirão, em um dos maiores festivais do Brasil, ao lado de ninguém menos ninguém mais que Karol Conká. Ela abriu caminhos pra gente. Se estamos aqui hoje temos que agradecer a ela, que lá atrás abriu os caminhos pra que a gente pudesse ter essa força, esse poder de estar com o microfone na mão, rimando sobre coisas do nosso cotidiano, das nossas veias, poder estar falando um pouco de ancestralidade.

E a Karol Conká fez isso lá atrás cara, então estar ao lado dela, estar trabalhando junto com ela no palco, foi algo que a gente… uou (risos)! Até sou suspeita de falar porque sou muito fã do trampo dela, desde antes. O destino cuidou de tudo, ela ouvia nosso trampo, chegou até a gente que ela tava ouvindo, então já pintou essa parada de: “Vamos trabalhar juntas no Festival Sarará. Vamos cantar juntas. Vamos ver como funciona essa simbiose”. E foi muito natural, foi muito foda, muito tudo.

A Karol é uma diva da música brasileira. Ela é uma artista incrível, no palco, fora dele, foi um prazer estar com ela nesse trampo, e vem mais novidades por aí, aguardem. Fenda e Karol Conka, quem sabe? Novidades logo menos. Eu não posso falar ainda muita coisa, mas desde já adianto que vem coisa boa por aí, coisa de qualidade. Enfim, foi foda. Durante todo o caos que a pandemia nos trouxe a gente teve esse refresco, esse momento de respiro com a Karol Conká.

FENDA e Karol Conká

K: Ainda falando sobre esse momento de pandemia, o seu trabalho solo também claramente sofreu desse impacto do isolamento social, e você manteve presença em diversos eventos online nesse período. Agora foi anunciado que a partir de 31 de outubro as casas de show de BH voltam a poder receber eventos. Queria que você falasse sobre as expectativas para a Fenda nesses próximos meses, em que vocês vão poder voltar a se apresentar presencialmente para o público e não mais apenas no meio virtual.

DJ: Chegamos no momento onde vão reabrir casas de show, teatros, cinemas, locais públicos antes interditados. Eu acho que eu sou uma pessoa, uma parcela da população brasileira que está um pouco perdida com tudo, porque desde o início da pandemia a gente vive um desgoverno, um governo que não se preocupou em manter nítidas as medidas de segurança, as medidas que realmente poderiam proteger pessoas que se foram.

Hoje a gente vai para um retorno ao “novo normal” que o pessoal tá chamando, sem uma vacina, sem uma cura. Enfim, é uma loucura, tô um pouco perdida sobre tudo, mas acredito que o cenário político e capitalista é que a gente precisa trabalhar, precisa fazer dinheiro, várias famílias dependem da renda de eventos, pessoas que trabalham com eventos e estavam vivendo um cenário sem solução desde março, sem uma discussão, sem um debate.

Então o setor cultural acho que foi o mais afetado e vem sendo o mais deixado de lado. Com esse retorno creio que a atenção vai estar voltada ao setor cultural e vamos aguardar quais vão ser as medidas sanitárias. Creio eu que a gente consegue retornar com segurança se adotarmos mesmo as medidas, e cada um fizer sua parte em cumprir o necessário para manter em baixa as taxas de contaminação e trabalhar com segurança.

Acho que até a Fenda pensa assim, a gente precisa trabalhar, a gente precisa fazer dinheiro, pagar nossas contas, somos cinco mulheres independentes e queremos muito esse retorno. Mas que seja feito com inteligência, segurança, pra garantir a nossa saúde e a saúde de quem está indo e consumindo nossa arte.

K: Bom Kingdom, pra fechar nosso papo, além dos possíveis shows que podem rolar daqui pra frente, com esse processo de reabertura das cidades, o que mais a gente pode esperar de trabalhos da DJ Kingdom, e da Fenda, para esse futuro tão promissor?

DJ: É isso, tem muito trabalho pela frente, tem várias novidades vindo por aí, não posso falar agora mas a gente segue trampando muito, buscando estudar muito sobre tudo que está acontecendo no cenário político e musical. Precisamos ter essa noção do espaço e da sociedade em que vivemos, pra poder transmitir isso nas nossas músicas, na nossa arte. É importante não parar! 

É isso, famíla Kalamidade! Muito obrigada pelo espaço, pela oportunidade. Muitas novidades estão por vir, tanto pela Fenda quanto pela DJ Kingdom. Estamos estudando muito, trabalhando muito, para que fique tudo no jeito, preparando tudo com muito carinho para que quando a gente estiver na pista vocês possam sentir essa vibe. É sobre isso, a gente não pode parar, não pode dar o braço a torcer, seguimos no plano!

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