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Acervo pessoal Blackalquimista

Blackalquimista – a mente e a arte de um arquiteto dos sons

O Kalamidade bateu um papo de milhões com o músico, produtor, MC e beatmaker Blackalquimista

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Original de São Bernardo, Black é um daqueles casos que fez da sua vida o Hip-Hop e carrega um legado de respeito dentro da cultura de rua de SP. Entre Posses, Livros, Rimas, Batidas e MPCs, Blackalquimista é, sem dúvida, um nome de peso que geral tem que conhecer. Vem com noiz saber dessa história!

Contar histórias é a essência do Kalamidade. Nossa equipe é formada, majoritariamente, por pessoas que vivem discutindo a formação da música Rap por meio da sua relação com outro gêneros (leia a matéria: “A interseção entre o Hip-Hop e a música eletrônica: um bate-papo com AEONER  escrita pela incrível Isa Rosa que acabou de sair), pesquisadores que adoram entender as novas tendências musicais no mundo que surgem após o nascimento da cultura Hip-Hop e como elas se retro influenciam e que geralmente estão com as pontas dos dedos sujas pela poeira presentes nos discos de vinil.

Decorar fichas técnicas de discos, descobrir samples, escavar histórias e dar visibilidade para os alicerces dessa cultura que, por vezes, são esquecidos/invisibilizados pelo rolo compressor desenfreado chamado indústria da música, é a missão do kalamas.

Hoje, trazemos a voz e as ideias de um dos principais nomes do Hip-Hop paulistano e nacional. Atuante na cultura desde 1989, nosso convidado é produtor, beatmaker, MC e um dos fundadores da Posse Hausa (São Bernardo do Campo). Participou do primeiro livro de Hip-Hop da América Latina o “ABC Rap”, projeto encabeçado por King Nino Brown.

Conhecido por muitos como o mago das machines, o Kalamidade teve o prazer de conversar com Blackalquimista e trazer um pouco da história, trajetória e caminhada desse mano. Mais uma entrevista buscando valorizar a história de quem veio primeiro e não deixar morrer os feitos dos operários da cultura Hip-Hop. 

Acervo pessoal Blackalquimista

Kalamidade: Para abrir os trabalhos, queria ouvir de você̂. O que formou musicalmente o Blackalquimista? Quais são as referências de berço e em qual momento você̂ começou a ouvir seus sons? Quando, e como, a música Rap chega?

Blackalquimista: Essa pergunta me faz viajar no tempo… Diria que recordações de infância quando via meu avô, aprender a tocar de ouvido instrumentos musicais como sanfona, viola até mesmo flauta de bambu que ele mesmo fazia, até pegar uma caixa de fósforo e acompanhar ritmos misturado com meu pai tocando viola caipira e ouvindo as musicas do Tião Carreiro nos discos de Vinil. Aí nos anos 80, minhas tias indo e comentando dos Bailes do Os Carlos e também Clube Homes, e pra me formar de vez musicalmente o lançamento do disco Thriller do Michael Jackson e a chegada de filmes de break e toda a estética do Hip-Hop, desde os programas de calouro na TV de dança “Raul Gil” até as tardes de sábado na Band FM, os programas das equipes de baile Black de São Paulo que tocavam as músicas e depois em um link ao vivo transmitido na radio na estação metrô São Bento.

Kalamidade: Um marco na sua carreira foi participar na escrita do Livro “ABC Rap” em 1992. Conta um pouco como foi esse processo. Como foi ter essa e outra vivências com King Nino Brown?

Blackalquimista: Eu comecei a frequentar baile cedo, acho que eu tinha uns 15 anos na época (1988). Também tive equipe de som de bairro e participava e fazia festa na escola aos finais de semana como DJ. Aí começa a saga de comprar discos e procurar saber sobre música. Após o fato de saber que existia um lugar onde a galera estava se encontrando pra dançar e também as Crews pra rachar “batalhar”. Comecei a frequentar a São Bento.

Lembro que uma vez colamos e estávamos em 4 pessoas, todos estavam de jaquetas pretas. Nesse dia, o MC Fish estava lá e disse que o nosso jeito de vestir lembrava o grupo Boogie Down Productions, que era o grupo do KRS One, e de certa forma nossa inspiração foi, na capa Clássica onde o KRS One está de Jaqueta e aparece segurando uma UZI (By All Means Necessary- 1988), fazendo uma releitura da foto Clássica do Malcom X na janela da casa quando a família dele é atacada por agentes da KKK. Dessa ideia nasce a Boogie Down Rappers antes da Hausa. Depois ainda acompanhei a galera que estava na São Bento ir para a praça Roosevelt.

Na real, quem me falou da praça Roosevelt na época foi a Cris Lady Rap que era minha vizinha aqui em São Bernardo do Campo, lá conheci JR Brawn (R.I.P). Esse cara respirava e transpirava Hip-Hop. Era do grupo Estilo Selvagem, fazíamos esse trajeto SBC >SP por vários sábados. A caixa de correspondência do correio amarela era onde batíamos para ter o beat ou as vezes o beat box, isso acho que em 89. Aí a gente começa toda uma jornada de realizarmos nossos encontros em São Bernardo, que depois de 2 tentativas em alguns lugares e histórias, nós chegamos na pista de Skate, que nos leva até a Secretária de Cultura da cidade a pedido de uma tomada de energia. Fomos bem recebidos na época pra nossa surpresa e oferecido mais que uma tomada. Estou falando de algo inédito! 1990, poder público e Hip-Hop até então não tinha acontecido.

Essa foi a primeira de várias outras coisas, como evento público de Hip-Hop com apoio e realização da prefeitura, contratação de grupos de Rap como Thaíde e DJ Hum, Racionais MCs, e depois o Livro “ABC Rap”, o primeiro da América Latina , lançado em abril de 1992, livro que surgiu de reuniões que tinham grupos da cidade e região, e uma das regras era frequentar as reuniões aos sábados na construção desse projeto. Nino Brown, morador da cidade, viveu toda época da Soul Music e grandes equipes de Bailes Black de São Paulo, sempre atento aos acontecimentos e guardando registros como flyers, jornais, fotos e também fazendo fotos, além de estar atento aos meios de comunicação dos artistas na época, como a caixa postal,  equivalente hoje acho que ao Instagram.

Lembro que o Nino acompanhou e registrou os eventos na época e se aproximou da gente, mas ele já tinha vivido o Soul e tinha várias histórias. Essa aproximação de certa forma moldou uma forma de pensar Hip-Hop. Lembro também depois de vários eventos na pista de skate o Nino Brown me convida pra ir até a casa dele e lá puxar várias caixas de super mercado com disco de vinil, mostrar fotos, livros e informações sobre a cultura negra. Isso só foi aumentando até em 1993, depois do lançamento do livro, nós fundamos a Posse Hausa. Aí a historia vai aumentando e a gente se alimentando de conhecimentos, com filmes, debates, palestras, oficinas, fanzine até chegar na escrita da Carta ao Afrika Bambaataa Zulu Nation. Carta essa que tem a participação de Nino Brown, San Ajamu e mais uma pessoa.

Em um convite, Nino com essa carta juntamente com algumas outras pessoas fundam a Casa do Hip-Hop em Diadema acho que em 1998. Ah, assisti o show do James Brown ao lado do Nino! Já ia esquecendo.

King Nino Brown (divulgação)

Kalamidade: Você̂ vem do rolê das Posses, certo? Me fala como você̂ chega na Posse Hausa?   O que você̂ carregou de lá para a sua formação?

Blackalquimista: Posse Hausa eu sou um dos membros fundadores, tivermos a sorte de ganhar o incentivo da Lei Paulo Gustavo e vamos fazer nosso documentário, até 2025 tá na rua. A Posse Hausa foi fundamental na minha formação pessoal e profissional, aqueles encontros aos sábados a tarde no Projeto Meninos e Meninas de Rua, nos transformou em melhores pessoas e com informação. Lá víamos filmes, debates, apresentação, eventos, fanzine. Lembro do trabalho de algumas pessoas na época selecionar informações colar em uma folha de sulfite com texto e imagens e depois tirar copias, aí nos íamos em eventos de Rap que aconteciam na rua e distribuíamos esses fanzines de mão em mão, assim a Hausa ficou conhecida e respeitada, além de ser base da primeira tese de mestrado de Hip-Hop na USP e depois também realizar oficinas de Hip-Hop na antiga FEBEM, hoje Fundação Casa.

Kalamidade: Conta pra gente como se deu o processo de transição de um MC do grupo Alquimistas para produtor/beatmaker? O Fita Demo (1999) foi produção do DJ Som Três. Quando você se interessou por produzir as batidas?

Blackalquimista: Eu comecei minha jornada de MC em 1989 em concurso de Rap. Nesse caminho eu tive e participei de uns 3 (concursos). No livro “ABC Rap” fazia parte do grupo DJ Beat e Conexão Hip-Hop, depois teve o Mente Ativada e N Klan. Em 1997 sou convidado a fazer parte do Alquimistas. A ideia base era ter um grupo formado por outros grupos de Rap da Posse Hausa.

Nós estávamos fazendo as oficinas na FEBEM na época, e eu já conhecia o DJ Som 3 desde 1992.  Eu vi a evolução dele musical na Produção desde as fitas de Rolo, passando pela produção do primeiro disco do Mauricio Maniere no Roland 760 até chegar na EMU SP1200. Ele sempre foi um cara que buscava conhecimento e procurava saber como era feita a batida do Rap anos 90. Lembro que um dia em uma visita ele me mostrou o álbum do grupo dele e do Frank Ejara, Operação Diamante (1999).

Nessa época já tinha visto na própria casa do Som 3 a SP. Aí convidamos ele pra fazer nosso EP Fita Demo (1999). Me apaixonei mais pela produção quando vi algumas técnicas que eram aplicadas, mas eu virei a chave quando vi uma fita de vídeo do Samplekings um americano produzindo em um Alesis HR16 e um sampler da Akai S900. Aí que eu entendi que sem uma MPC ou SP1200 eu poderia também fazer música através do Midi. Eu tinha visto essa bateria eletrônica em uma loja jogada por uma merreca… Comprei ela e um sampler S2800 da Akai e fui desvendar o MIDI. No começo o Som 3 me deu umas dicas, mas no resto eu tive que me virar.

Kalamidade: Seguindo nessa linha, como a MPC chegou até você? Você começa a trampar com as máquinas em 2003, certo? Quais foram os corres pra ter sua primeira máquina e como você desenrolou para produzir a partir dela?

Blackalquimista: Comprar uma MPC 60 usada na antiga Gang Usados, compramos  em conjunto em parcelas na época. Em 2003 acho… Essa MPC veio do Rio de Janeiro era do produtor Fábio Fonseca. Ela foi usada para produzir Gabriel O Pensador, Claudio Zoli, Ed Motta, Fernanda Abreu e ela já estava com umas modificações. Era uma MPC 12 bits com sistema da (MPC) 3000 , tinha mais memória, 26 segundos, o original é 13 segundos. Com essa MPC eu ganhei o Festival Motomix 2007 e trabalhei uma semana com o Marechal no DR DD estúdio do Dudu Marote.

Acervo pessoal Blackalquimista

Kalamidade: Eu vivi uma situação que gostaria de compartilhar com você. Quando estava fazendo a pesquisa do Infográfico da Evolução dos equipamentos de produção e a chegada no Brasil, geral que eu perguntava me respondia: “Pô mano, isso você tem que perguntar pro Black!” ou “O Blackaquimista é a melhor pessoa para te falar sobre isso!”. Conta pra gente como você se tornou essa referência quando o assunto são as Machines?

Blackalquimista: Quando eu comecei essa pesquisa sobre as drum, de certa forma eu tive sorte. Parecia uma época que toda vez que eu comprava uma máquina, ela chamava outra. Tem uma entrevista do QAP na Gringos Podcast que ele me zoa! Ele falava que eu tinha uma passagem secreta quando comprava drum… Pior que de certa forma existe (risos).

Ele disse isso se referindo a eu comprar máquina e minha esposa nem ver (risos). Zueira né. Também lembro que eu demorei pra entender depois de comprar vários drives de disquetes na Santa Ifigênia e testar e não funcionar e perceber que existe jumper interno e nem todos irão funcionar se não for o dedicado. Ainda nesse pensamento teve uma época que eu tive todas as máquinas drum que fizeram o Rap anos 90 do EUA, e no final cada máquina tem sua particularidade. Lembro que a perseguida que faltava era a MU SP1200.

Aí o Sono TWS comprou a dele e eu tava já quase desistindo de conseguir uma e ele me vendeu a EMU SP 12 dele. Depois de muita luta eu consegui a minha EMU SP1200 , mas posso dizer que já tive quase todos modelos da Akai, Ensoniq e Roland e mexia nelas. Deve ser por isso, não é atoa que dou aula online, fora o trabalho de corretor de MPC, sempre alguma pessoa perguntando sobre venda ou compra, deve ser por isso.

Sono TWS e Blackalquimista (Acervo pessoal Blackalquimista)

Kalamidade: Você tem um trampo muito incrível de dar voz para grandes nomes da nossa cultura Hip-Hop. O Papo de Beatmaker é um grande exemplo disso. De onde vem essa sua veia de valorização e preservar as histórias?

Blackalquimista: É da minha formação né? Eu pratico o Hip-Hop Sustentável. Aprendi a alimentar a rede, não é só tirar. Se o Hip-Hop fosse um Serasa ia ter muita gente com nome sujo. Mas eu faço o que eu aprendi e acredito. Todos esses projetos nascem da ideia de que unidos seremos mais fortes. Eu vi os mestres né, tanto aqui no Brasil como lá fora, pessoas que vivem o Hip-Hop.

Conheça o projeto Papo de Beatmaker na Twitch Tv

Kalamidade: Falando de Hip-Hop. O que a cultura te deu e como você tenta devolver?

Blackalquimista: O Hip-Hop me deu tudo o que eu sou hoje. Foi a luz. Sou um preto que passou dos 18 e conseguiu se aposentar em um país que mais mata preto. Vai falar que é sorte? Se for sorte chama Hip-Hop, por isso sempre procuro ser grato e fazer algo pela cultura, e não ficar de discurso.

Kalamidade: Sobre novidades: o que esperar de Blackalquimista?

Blackalquimista: Estou em Movimento, estou estudando Cinema , entendendo o mundo do audiovisual. Quero minha música nas telas de cinema. Diretores, me procurem, eu faço trilhas. Coloquem minhas músicas, meus Raps. Estou agora também trabalhando e lançando artistas em meus beats. Tem uma ideia futura que vai interligar tudo isso. Agradeço pela entrevista e também quem acredita e gosta da minha música. Música é conexão, quando você gosta de algo que eu faço nos conectamos. Sobre as técnicas de produção também em breve novidades, obrigado pelo espaço, estarei sempre pronto.

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#08 – GIRO Kalamidade