#IssoNãoPodeSePerder – Espaço Rap: a importância do rádio para o Rap nacional

Como o rádio garantiu a abertura de espaço para o Rap nacional

Esse não é mais seu, ó, fiiiuuu— Subiu
Entrei pelo seu rádio, tomei, ‘cê nem viu

Racionais MCs – Negro Drama

O rádio é o veículo de comunicação no qual o Hip-Hop conquistou o seu maior espaço de divulgação. Foi pelas ondas eletromagnéticas que o Rap se transformou numa referência musical entre jovens periféricos, ultrapassou barreiras e conquistou um lugar reservado na programação de diversas emissoras comerciais.

Dando sequência à campanha #IssoNãoPodeSePerder, visando resgatar e valorizar os primórdios do Hip-Hop no Brasil, hoje vamos falar sobre o papel essencial do rádio como veículo que garantiu a abertura de espaço para o Rap nacional, destacando um programa que está no ar há mais de 20 anos, sendo responsável por apresentar a música Rap para muitas pessoas, como foi o meu caso. Estamos falando do programa “Espaço Rap”.

Mas antes de sintonizar a 105 FM de Jundiaí (SP), precisamos voltar um pouco na história para falar sobre as principais responsáveis pela presença, e aceitação, do Rap nas ondas sonoras. Se o Hip-Hop criou uma linguagem própria para retratar a vida de um segmento da sociedade, as músicas não poderiam ser reproduzidas fora de contexto, sob o risco de se tornarem mais um produto cultural consumível. Assim, o Rap nacional encontrou nas rádios comunitárias a sua maior aliada na divulgação.

Ouvidoria das quebradas

Na década de 1980 o Hip-Hop conquistava um maior engajamento social no Brasil, e paralelo a esse movimento, ganharam força as rádios livres, emissoras de baixa potência que lutavam por liberdade de expressão, motivadas pelo desejo de se comunicar de novas formas, na tentativa de democratizar a comunicação.

Na maioria dos casos, os processos de concessão para rádios comunitárias tramitavam durante anos à espera de aval do Ministério das Comunicações. Sendo assim, muitas emissoras emitiam o sinal sem estarem regulamentadas, passando a ser caracterizadas como “rádios-piratas”.

A principal característica das rádios comunitárias é o seu potencial de conquistar o apoio da população em geral. Essas rádios respeitam a diversidade política, cultural e social do seu público, além de entender o ouvinte como protagonista através de uma ampla interação.

As rádios comunitárias abraçaram a possibilidade de incorporar a fala das periferias, atuando como verdadeiras ouvidorias das quebradas, questionando o poder público e integrando comunidades.

O Rap nas rádios comunitárias

Acompanhando o aumento significativo da produção de discos dos grupos nacionais, e aderindo à realidade das periferias, as rádios comunitárias tornaram-se as principais divulgadoras da música Rap no começo da década de 1990, ocupando um espaço que não era desejado pelas rádios comerciais.

Para disseminar os valores culturais do Hip-Hop na periferia, artistas encontraram apoio nas rádios comunitárias. Além de difundir a mensagem do Rap, esses veículos têm o importante papel de divulgar uma programação musical de apelo popular na periferia, além de estabelecer um vínculo único com os ouvintes através da linguagem, que incorpora os elementos comuns da oralidade periférica.

Vários artistas ganharam experiência e destaque comandando programas de Rap em pequenas emissoras, como Nega Gizza (Rádio Novo Horizonte/RJ); DJ Cia (Rádio Meridional/SP); Rappin’ Hood (Rádio Heliópolis/SP), e muitos outros.

Com o tempo, o sucesso do Rap nas rádios despertou a atenção dos empresários da comunicação. Emissoras comerciais viram aí uma forma de atrair um público que rendia grande audiência para as rádios comunitárias, criando então seus próprios programas.

Furando a bolha

Antes desses programas surgirem, algumas músicas e grupos furaram a bolha das rádios comerciais, alcançando reconhecimento nacional, como a dupla Thaíde e DJ Hum com “Corpo Fechado”, lançada em 1988. A música tocou em AM, FM e ficou em primeiro lugar na Rádio Bandeirantes que, na época, era líder de audiência em São Paulo.

Os Racionais MCs também conseguiram esse feito com “Homem na Estrada” e “Fim de Semana no Parque”, que eram pedidas com muita frequência em rádios comerciais como a Jovem Pan FM e a Transamérica FM, colaborando para a popularização do Rap em São Paulo.

O primeiro programa de rádio comercial especializado na cultura Hip-Hop foi o Rap Brasil, na década de 1980, comandado por Dr. Rap, pela Metropolitana FM de São Paulo. Mas foi só em 1997 que o Rap conquistou um espaço único nas ondas sonoras, através do exemplo mais significativo da entrada do estilo musical nas rádios: o programa Espaço Rap, da Rádio 105 FM de Jundiaí.

Um milhão e quinhentos mil ouvintes por minuto

Cito o que sinto desde os tempo que o rap só tinha espaço lá na 105

Rashid – Abre Caminhos

Um milhão e quinhentos mil ouvintes por minuto. Essa já foi a audiência registrada pelo Espaço Rap, programa que ajudou a manter a 105 FM, de Jundiaí, entre as mais sintonizadas na Grande São Paulo. A emissora é conhecida por ter impulsionado o Hip-Hop paulista, contando com apresentadores como Ice Blue, KL Jay, DJ Hum e Rappin’ Hood.

No ar há mais de 20 anos, a 105 FM é uma concessão de Jundiaí, sintonizada na região metropolitana de SP, ABC, Baixada Santista, 250 cidades do interior, sul de Minas e norte do Paraná.

Sede da 105 FM, em Jundiaí (SP).

Fundado por Nuno Mendes e pelo DJ Easy Nylon, o programa foi conquistado e é defendido 100% na base do apoio popular. No começo “Espaço Rap” era só uma vinheta que antecipava as músicas dos Racionais, com a intenção de não destoar do resto da programação musical.

O Rap nacional já estava consolidado na rua desde o final dos anos 1980, mas nenhuma rádio dava espaço. Com o surgimento do fenômeno Racionais MCs, com as músicas ‘Fim de Semana no Parque’ e ‘Homem na Estrada’, rádios que não tinham nada a ver com Rap, como a Transamérica e Jovem Pan, que eram as rádios mais ouvidas da época, foram obrigadas a abrir espaço para essas músicas. Existiam muitos pedidos dos ouvintes. E a 105 também era obrigada a tocar, mas como nós tocávamos apenas essas dos Racionais, para destacar aquele único Rap do resto da programação, nós criamos uma vinheta chamada ‘Espaço Rap 105 FM’ que aparecia antes das músicas,

explica Nuno Mendes.

No final de 1997, na escala de fim de ano, Nuno Mendes e Easy Nylon pediram para a direção da rádio fazer um programa especial de Rap, e aí foi usada a vinheta “Espaço Rap” para dar nome ao programa. Era um programa de 30 minutos, sem pretensão nenhuma. Por coincidência, o diretor da rádio estava presente nesse dia do especial e percebeu que o telefone disparou, esse era o principal termômetro para saber se o programa estava indo bem ou não. Assim nasceu o programa Espaço Rap, primeiro com 15 minutos durante a programação, até ocupar grandes espaços na grade da rádio.

Ter esse espaço ajudou muito, somos de uma época que a divulgação era feita por panfletos na porta das escolas, saídas de bailes, divulgação com cartazes em A3 colocado nos postes, lambe lambe e etc. Era uma época mais difícil, mas era o que tínhamos para chegar com a nossa música na periferia e passar a nossa visão,

diz o DJ Bola 8 do grupo Realidade Cruel.

Foi por meio da influência do programa “Espaço Rap” que outros grupos do gênero tiveram força para surgir. Por apoiarem grupos como Racionais, RZO e DMN, divulgando suas músicas em massa, outros grupos similares tiveram coragem para apostar na música e viver dela.

Coletâneas

Como sempre teve dificuldade de atrair anunciantes, a 105 começou a fazer eventos e a lançar coletâneas para gerar uma renda. O primeiro volume é uma seleção de músicas que em 1998 faziam parte da programação, trazendo desde Racionais e RZO até Guind’Art 121, grupo de Brasília que emplacou alguns sucessos na época.

A coletânea do Espaço Rap teve um total de 11 volumes, lançados entre 1998 e 2006, trazendo sempre uma seleção de grandes nomes do Rap nacional, como: Sistema Negro, Doctor MCs, Face da Morte, Consciência Humana, Thaíde e DJ Hum, GOG, De Menos Crime, Realidade Cruel, Xis e Dentinho, MV Bill, Jigaboo, Detentos do Rap, RPW, 509-E, DMN, Ndee Naldinho, SNJ, Sabotage, Facção Central, Rappin’ Hood, Z’África Brasil, Sombra & Bastardo, Trilha Sonora do Gueto, DBS e a Quadrilha, Negra Li, Dexter, e muito mais.

Comandado por Fábio Rogério, o programa atualmente tem duas edições de segunda e terça, tocando muitos clássicos e novidades nacionais. Aos domingos o DJ também comanda o programa Balanço Rap, ao lado de Ice Blue.

Conheça, ouça e valorize o programa Espaço Rap, e o papel primordial do rádio para o Hip-Hop e o Rap nacional.

Leia Mais
Especial Dia do DJ: a arte da discotecagem