A construção de uma ideia é algo gradativo, feito aos poucos. Mas que com os incentivos certos, ganha corpo e entra com força no imaginário de quem a conhece. Nos últimos anos do Rap nacional um nome vem sendo citado em algumas canções e vem ecoando dentro do vocabulário de novos e promissores artistas. Tal alcunha é a do Covil da Bruxa, o grupo, coletivo, selo ou simplesmente a definição perfeita de uma iniciativa voltada exclusivamente para criar emancipação através da produção artística.
As bases do Covil
É difícil encontrar apenas uma palavra para estabelecer o que seria o Covil, sua polissemia vai para além de uma simples nomenclatura e é refletida na pluralidade dos seus integrantes. Tal infinidade fez com que os projetos dos MCs e produtores participantes rompessem os limites geográficos do Rio de Janeiro, ganhando projeção e relevância nacional, tornando-se referências dentro de suas propostas.
Formado por Tárcis, Linus, VND, OGBRITTO, LEALL, TOKIODK, WiL WiN, Leco, OgBilly, wavybil, Prod.biel, Luna, DG, Puma e DJ Rass, o coletivo tem em seus representantes, os mais diferentes cantos do estado fluminense. Sendo um time tão grande é normal haver diversas influências e temáticas artísticas conflitantes, contudo a intenção deles uma só: criar a partir de suas vivências, de maneira livre e verdadeira, exibindo a todos suas realidades e perspectivas.
O conceito por trás de tudo nasceu das mentes de Linus e WC (que infelizmente faleceu precocemente), responsáveis por introduzir, não apenas um norte em busca de um sentido ou ética de trabalho, mas também influências e conhecimentos de produção artística. Masm antes mesmo do conceito, a vontade de criar era alimentada por um círculo de amigos onde havia uma troca constante de ideias, conhecimentos e aspirações. Ou seja, era inevitável que algo grandioso não saísse dali.
Por essa caminhada na idealização e construção do Covil, WC torna-se eterno através de suas obras e por constantemente ser citado nas faixas de seus irmãos. Mostrando como o Covil da Bruxa constrói por meio da vida de quem o integra, devolvendo para a coletividade de quem o cerca.
Anarquia musical
É muito fácil em um primeiro momento associar o Covil exclusivamente às vertentes do Grime e do Drill, principalmente após a participação de alguns de seus integrantes no Brasil Grime Show. O projeto criado pelos produtores e DJs diniBoy e ANTCONSTANTINO foi um dos responsáveis não apenas por difundir os gêneros aqui no país, como também por dar holofote à diversos artistas do underground, como os próprios membros do coletivo carioca. Com isto, é impossível não associar o crescimento desta nova onda aqui no Brasil à nomes como LEALL, TOKIODK e VND, afinal de contas eles se desenvolveram e se tornaram referências do som de estética londrina produzido por aqui. Atualmente estes são alguns dos nomes mais fortes da cena, lapidando todo seu alcance de maneira orgânica e rompendo cada vez mais a bolha do hype de maneira original e carregada de identidade.
Linus e WC foram os primeiros do selo a apresentar o Grime/Drill aos outros membros do coletivo. Desde o início, não com a intenção de emular o som da gringa mas sim de criar uma estética própria onde pudessem mesclar suas influências e estilos de vida junto do Funk proibidão e da vivência do Rio de Janeiro.
Eu e WC introduzimos eles ao Grime e participar do BGS foi uma forma de poder fazer as coisas de uma forma diferente. Participar do programa deu um holofote, mas fez muita gente achar que só fazemos Grime e Drill. Claro que somos importantes dentro desse cenário, mas é muito chato sermos enquadrados dentro dessa bolha.
Linus
Olhando mais de perto é fácil perceber como o Covil da Bruxa dá passos que vão muito além das novas modas do Rap nacional. Os beatmakers, Tárcis, prod. biel, Luna e wavybil vão com naturalidade de um estilo ao outro, sem deixar a qualidade cair ou soarem genéricos, abrindo espaço para produções que passeiam pelo Trap, House, Plug, Boombap e Lo-Fi.
Anarquia musical, a gente faz o que dá vontade.
Tárcis
Importância atemporal
Este jeito bastante diverso talvez seja espelho do contexto caótico do Rio de Janeiro, do qual os artistas estão inseridos. Além de refletir em suas composições, suas experiências motivam seus processos criativos, baseados na liberdade de criar sem amarras, buscando exibir e extrair o melhor de cada um dentro de suas características. Apesar da espontaneidade envolvida na criação, organizar diversas referências dentro de uma obra não é uma tarefa fácil, entretanto todo o coletivo age com respeito mútuo, dando espaço para cada um fazer seu som da forma que queira.
Cada um tem sua vibe, produzimos independente de gênero. Um coletivo de artistas com objetivos semelhantes onde cada um tem sua particularidade.
Linus
Estes fatores foram fundamentais para estabelecer a relevância do coletivo carioca dentro do cenário brasileiro. Falar que eles são importantes dentro do RJ é redundância, atualmente o Covil da Bruxa caminha a passos largos para ocupar um espaço único no Rap nacional. Mais do que alcançar números, e por consequência um retorno mercadológico desejado por qualquer artista independente, o desejo principal do grupo é criar um legado baseado em suas obras. Atingir um nível não apenas de qualidade, mas de influência na vida de quem ouve. Como representantes de uma cultura majoritariamente periférica, os artistas do grupo narram novas perspectivas e são exemplo para jovens de suas áreas, os quais dividem experiências e desejos.
No underground, pelo menos no RJ, não existem coletivos como o nosso. Queremos construir uma importância atemporal. O primeiro passo é ser bom e verdadeiro, é muito difícil encontrar algo original e sem parecer uma réplica, fazendo tudo com prazer e cuidado. O importante é ser original, não falar abobrinha e ser consistente.
Linus
O Rio de Janeiro sempre teve nomes presentes na vanguarda do Rap nacional, seja na produção, na lírica ou na temática. Todos estes artistas carregavam consigo uma aura singular, onde estava presente a energia única de ser carioca. Por um tempo essa estética acabou por diluir-se, porém continuava viva em alguns pontos específicos do underground do estado. O Covil traz consigo esta essência, renovando-a em estética e sonoridade, mas sem deixar de lado o cheiro do mar, o asfalto quente e o perigo de cada esquina. Este elemento exibe-se por meio da valorização das sensações e de narrativas que atravessam o lugar comum, falando de amores, espiritualidade e outros temas particulares, presentes na vida de cada um dos músicos desde a infância e do seio familiar.
O coletivo é uma força das periferias do Rio de Janeiro, um grupo de jovens que encontram liberdade através de suas expressões artísticas e confortáveis com suas próprias criações. A emancipação de cada um deles é verdadeira e constante, onde ser livre o suficiente para serem eles mesmos é o objetivo principal. Dentre todas as definições possíveis para o grupo, o Covil da Bruxa é sobre autonomia e poder.