2020 marcou uma mudança na forma de consumir conteúdo, potencializou plataformas de streaming e nos obrigou a adaptar eventos para o mundo digital. Pelo lado bom, temos o nascimento de dois Grammys de quebrada: o Prêmio Nacional Rap TV e a premiação do Sh!t de Ouro!
De forma geral, essas premiações surgem de uma demanda reprimida de reconhecimento entre os nossos. E, como consequência, já proporcionaram à cena só vantagens. Dessas, podemos listar: uma articulação entre as mídias especializadas de Rap, valorização de artistas – principalmente – do underground e também o engajamento do público.
A premiação do Sh!t do Ouro vai ocorrer neste domingo, dia 06 de dezembro, às 19h através do canal da mídia na Twitch (inscrevam-se!). E em parceria com a Rap Sh!t, nós do Kalamidade pegamos os beats finalistas da categoria Beat do Ano para resenhar e falar um pouco dos produtores. Se liga!
Deekapz em Poder (BK’)
por Thiago Nacao
Precursores do Chill Baile, a dupla Deekapz lança “Chill Baile” em 2015. Este é um EP de remixes no SoundCloud que trouxe faixas como “Roça Lovin” e “Pra Todas as Meninas”, onde davam aos funks da época novas roupagens, misturando future bass e trap. O sucesso foi tanto que, em 2017, eles receberam um convite para lançar outro EP pela Soulection, selo que busca encontrar “os sucessos do amanhã”.
A dupla também é conhecida pelos seus Piñata Pack’s, edits onde já botaram Kanye West pra sambar em “I Love It” e Alcione pra rebolar com “Você me vira a cabeça”. Seus sets tem referências de Neo soul, Funk, Funk rave, Afrobeats, House, Trap e Rap. A versatilidade da dupla os levou a produzir em 2020 faixas para os álbuns de Hot e Oreia, CHS e BK. Além dos raps, lançaram também um remix de “Ela diz que me ama” da Roberta de Sá, Jorge Ben Jor e Gilberto Gil.
Na faixa Poder, Paulo e Matheus criam um espetáculo grandioso e bem definido em seus dois atos. Na primeira parte do beat, somos apresentados a um instrumental de sopro, melodia de guitarra e notas de piano, claro, junto ao chimbal e e caixa. Esses elementos criam a aura de um BK’ sonhando com a fama e o poder que conquistou.
A segunda parte tem uma virada marcada pela chegada dos trovões. Nela, o sample vocal de “God Only Knows” (The Beach Boys) é colocado em looping, em efeito de coral clássico e unido ao som do órgão, que dá o tom sombrio ao espetáculo. Este ato serve de fundo para as rimas de um BK’ que responde ao buxixos consequentes da sua fama.
Nave e Douglas Moda em Cubana (Bivolt)
por DJ Neew
Nave, natural de Curitiba, começou como produtor em 2002. Desde então produziu para grandes nomes do rap brasileiro como Emicida, Karol Conká, Marcelo D2, Criolo, entre outros, além de ter feito parte do grupo curitibano Savave. Já o paulistano Douglas Moda atua como DJ e produtor e em seu currículo tem trabalhos junto com Luccas Carlos, Vitão, entre outros.
Inicialmente, o beat de Cubana segue a sugestão do próprio nome da faixa. Ele apresenta elementos da Salsa, Guajira e outros gêneros típicos, não só de Cuba, mas também de outros países caribenhos. A harmonia do piano, percussão e trompete combinam perfeitamente com o Trap ao melhor estilo 808, Snare e hi hat. Os produtores acertaram em dar destaque ao sample e deixar a bateria mais reta, dando uma cara de hit e tornando a música ideal para tocar em pista.
Uma das variações que o beat traz é um Funk batidão com muita percussão, que dura alguns segundos antes do beat voltar para o ‘Trap caribenho”. Essa quebra faz com que a narrativa cantada pela Bivolt ganhe mais dinâmica. A música teve, inclusive, um clipe que concorreu ao Grammy Latino na categoria ”Melhor Vídeo Musical Versão Curta”.
Mu540 em TANG (Tasha & Tracie, Kyan)
por DJ Yume
Mu540 é, sem dúvidas, um grande destaque de 2020. Natural da Baixada Santista (guardem esta informação), o produtor e DJ está em atividade há 10 anos e já lançou 2 mixtapes. Apresenta, de uma maneira mais incomum, sons que nascem das mais diversas quebradas do mundo, mesclando tudo com o toque eletrônico, sua marca. Suas produções já foram tocadas por DJs como Diplo, Dillon Francis e FS Green. Sua parceria com Kyan vem chamando atenção pela originalidade.
A faixa Tang marca a consolidação do Funk da Baixada Santista no Trap. A introdução é um recorte de “Essas São As Meninas Que Os Meninos Gostam” (MC Menorzinha), que já era marcada pelos loopings de Pantera Cor de Rosa. Outro elemento muito bem explorado no beat é o silêncio em alguns tempos dentro de um compasso. Essas pausas potencializam a rima de quem está entrando e também as batidas do compasso seguinte.
Do mesmo modo, os recortes do tema da Pantera Cor de Rosa se mantém em todo o instrumental, às vezes usado como batida, às vezes em um tamanho maior para mostrar a melodia clássica do desenho. Falando em desenho, outro elemento relevante é o recorte de falas do Pica-Pau, o que ele chama de ‘truques’ no meio dos beats, quando a Tracie lança o “eu não tenho tempo, boto pra chupar enquanto assisto desenho”.
Aproveitando a facilidade do Trap e do Funk transitarem no mesmo tempo, próximos do 130 BPM, Mu540 une os dois gêneros com a noção da tradição que cada um carrega. É por isso que a mistura soa tão natural.
Rennan Guerra, VHOOR em 40º.40 (SD9, VND)
por Mabruxo
Nascido no Rio de Janeiro, Rennan Guerra é publicitário por formação e técnico/produtor musical por afinidade. Em 2018, visando focar somente em sua paixão por áudio, Rennan dirige o estúdio Casa do Meio, em Bangu. É lá onde é atualmente gravado o Brasil Grime Show (principal projeto abraçado pelo estúdio) e diversos artistas independentes cariocas.
O mineiro VHOOR já é um conhecido na cena BR, produtor desde 2015 com trabalhos com Well, Hot e Oreia e Sango. Também é um dos produtores da festa Baile Room e também do coletivo Weird Baile. Victor conta com quatro álbuns muito consistentes lançados, onde trabalha com o Funk, sua principal referência. Mas além dele, utiliza elementos de outros ritmos como o Trap, House, Drum ‘n’ Bass, Afrobeat e outros gêneros da música mundial.
Em 40º.40, faixa que leva o nome do álbum, a lírica de SD9 retrata um RJ bem diferente do que é mostrado nas novelas e cartões postais. São alternados momentos tensos de vivência, criminalidade, malícia e momentos de lazer nos bailes funks: o retrato da vida nas periferias da cidade maravilhosa. A track tem participação do VND, uma das apostas de 2020, que não deixa o ritmo cair com versos alucinantes, mantendo o nível da faixa.
Para ambientar esta lírica, o instrumental chama a atenção logo no ínicio. Mostra-se o sample da música “Theme from Kiss of Blood”, de Button Down Brass com participação do trompetista Ray Davies, que ficou eternizada no Rap Nacional pelo sample na clássica “Vida Loka pt 2” do Racionais MC’s.
Na responsabilidade de sustentar o peso deste sample, o beat prossegue com elementos característicos do Grime. Marcam presença os sintetizadores e uma batida ritmada que flerta entre o UK Garage e Funk Carioca. Mas mesmo com essas batidas eletrônicas, a melodia característica do sample não é abandonada. “Theme from Kiss of Blood” aparece em looping e é potencializada no final da track, após o instrumental do Grime.
Victor Xamã em Cobra Coral (Victor Xamã, Davzera, Yung Buda)
por DJ Pepeu
Diretamente de Manaus e já com uma trajetória consolidada Victor Xamã garantiu destaque entre os trampos de 2020 com “Cobra Coral”, seu trabalho de maior sensibilidade e entrega. Hoje com 25 anos, o artista surge de forma sólida entre os nomes emergentes e finca raiz na cena underground do Rap.
Falar de sensibilidade e entrega é quase redundante quando se trata da obra artística do Xamã. Suas produções misturam elementos do Rap, Trap, R&B, fundido de forma cirúrgica a influências do Jazz (muito Miles Davis), Lo-fi, Trip Hop e MPB. Nas suas criações, pode-se destacar a semelhança com a sonoridade de Secos e Molhados, Milton Nascimento e Tim Maia.
Marcando a versatilidade do artista, a faixa Cobra Coral assina o nome do disco e se apresenta com ponto alto do EP. O instrumental tem como condutor principal o sample de flauta, que se assemelha às linhas melódicas do oriente médio. Soma-se estes elementos a atmosfera do Trap sombrio que cria o ambiente para a ideia que vem sendo versada por cada MC.
O beat desfruta de uma profundidade criada pela junção do 808 e da linha melódica que se apresentam em primeiro plano da mixagem. Em contraponto, o hi hat e a caixa estão mais espaçados e distantes na panorâmica da faixa. Xamã versa sobre sua fortaleza, a palavra que serve como salvação da sociedade tola que se apega a tronos . Davzera e Yung Buda completam a faixa com linhas bem versas, brincando com as sonoridades de expressões gringas.
Dessa forma, o beat, que soa imerso, denso e ao mesmo tempo flutuante, é um marco na carreira de Victor Xamã e em 2020.
WIU em 777-666 (Matuê)
por DJ Yume
Vinicius William, aka WIU, é MC e produtor, e começou a lançar seus trampos pro mundo com 15 anos. Natural de Fortaleza, WIU já assinou beats como o de Kenny G (Matuê), Fazendo Grana Pro Meu Filme (Rodrigo Zin), ACAYU (Bakkari). Além de disso, assina suas próprias tracks e todo o Máquina do Tempo, primeiro álbum de Matuê.
Em 777-666, WIU “divide” a faixa em dois momentos. O primeiro, totalmente sem batida, apenas com os sintetizadores atmosféricos que dialogam com a voz sintetizada de Matuê. Em um segundo momento, ele introduz as batidas praticamente em um Travis typebeat e as características esperadas do trap. Cadências curtas do hi hat, bumbo saturado e mais sintetizadores demarcam o auge do instrumental de 777-666.
O beat consegue com êxito ambientar o ouvinte no Street Fighter espacial protagonizados pelo Matuê e o Matuê Careca. Apesar de não inovar muito no instrumental, o sucesso mostra que a fórmula tem funcionado, atingindo mais de 46 milhões de visualizações no YouTube.
A competição está acirrada! E aí, qual beat você acha que vai levar o Sh!t de Ouro?
Votados por mais de 40 jurados, o vencedor do Beat do Ano e das outras categorias serão revelados domingo na premiação via streaming. Para acompanhar as novidades, basta seguir o Rap Shit nas mídias: