A curitibana reúne vastas experiencias e atribuições, se liga! Ela é DJ, beatmaker, designer, produtora cultural e dançarina.
Apesar de começar na produção musical por volta de 2009, desde criança já acompanhava músicas e pegou muito de sua influência pelo seu pai de origem nordestina assim como de amigos na escola onde escutava Gog, Thaíde, Planet Hemp entre outros.
Em 2015 ela se jogou de cabeça no mundo das Djs se formando no projeto Capão House e na sequência promovendo o projeto Hip-Hop Banguê que aconteceu no Paraná e em São Paulo.
Além das produções musicais e dos toca discos, Numa usa de criatividade em sua profissão como designer na criação de logos e artes utilizando desenhos e criando personagens com conceitos e personalidades variadas.
Tivemos a honra de entrevista lá e conhecer melhor essa artista que mescla muitas influências e estilos fazendo de seu trabalho muito original e único, confira!
A trajetória nos Beats
Kalamidade: O que você usa para produzir, qual software? Instrumentos? Como você inicia uma produção? Conte-nos um pouco do seu processo criativo.
Numa: Atualmente uso o Ableton, apesar de que usava o FL até um ano e meio atrás. Também tenho uma Electribe Sampler mas tenho usado ela menos que a DAW. Em geral começo recortando o sample, poucos beats eu comecei pela bateria e agora estudando canto estou vendo outras maneiras de começar uma música sem samplear. Estou produzindo a primeira música que compus melodia e letra, um desafio muito libertador.
Meu processo é basicamente escolher o sample, recortar o sample, adicionar bateria, adicionar outras linhas instrumentais e o baixo a partir da harmonia e depois ir acrescentando detalhes. Primeiro faço a parte “mais cheia” da música, o loop principal, multiplicando-o pra criar os outros momentos, fazendo as variações de bateria/melodia, transições e introdução/finalização. Durante todo o processo já tento fazer uma pré mixagem e no final dou mais foco no panning.
K: O que mais te inspira na criação musical e quais são suas principais influências na produção?
N: Tudo me inspira. O ódio que sinto da nossa sociedade torta, as situações que observo/absorvo, as culturas e os artistas que admiro, minhas amizades que são a maior bênção que eu posso ter, muita gente querida me inspira e incentiva a produzir mais.
K: A batida da música Rap é muito versátil, dando abertura para mesclar com diversos estilos, onde e como surgiu a ideia da mistura entre Rap e outros estilos de músicas eletrônicas?
N: Sou muito eclética e vários hits dos anos 90 e 2000 que eram de House, Trance e Techno fazem parte do meu repertório. Sempre fiz muitas batidas com bpm alto e cortes frenéticos, uns amigos falavam que eram beats difíceis pra rimar, então já tinha um pé nesse sentido só me faltava o conhecimento. Ouvi muito Gigi D’agostino e Lasgo desde a infância mas só quando me tornei DJ me dediquei de fato a fazer o diggin para estudar esse universo, conheci a dança House e aprendi sobre a história do gênero que permeia muito com o Hip-Hop. Inclusive eu decidi mesmo que queria tocar música eletrônica quando eu vi um set do Dj Nyack na pista de house da Rockmaster Party. Na verdade o que aconteceu foi que me senti mais livre para misturar minhas referências com minha produção dentro desses gêneros, particularmente nunca me enquadrei perfeitamente como Rap e assim fui atrás de me enfiar nos espaços onde tocavam música eletrônica.
Sobre a Numa DJ
K: A playlist agora é sua, diga-me o que mais toca seu fone? O que você vem mais escutando ultimamente?
N: Meu fone toca de tudo, ouço muito Samba, MPB, Pop anos 80s, Cumbia, Ghetto tek, Breakbeat e outros, e vai mudando muito porque são momentos, tem dia que é só batidão acima dos 140bpm e tem dias que é Forró pé-de-serra. Mas atualmente duas tracks que estão sempre no meu repeat são “Azul” interpretada pela Gal Costa e “Watch The Corners” do Dinosaur Jr.
K: A cena de DJ no Rap é diferente em alguns aspectos da cena DJ de música eletrônica, como você consegue percorrer os dois e muitas vezes, mesclar?
N: Sempre é possível fazer essa união, num set de música eletrônica é fácil de encaixar Rap porque existe uma gama imensa de músicas com vocais e referências de Hip-hop. Tem também a “Dance Like Yourself” do Paradis Club, festa que sou residente e tenho muita liberdade de fazer minha pesquisa pois o público é extremamente aberto a misturas de ritmos. Mas não me limito nem entre esses gêneros, meus sets sempre tem pitadas de músicas latino-americanas, Funk, Soul, Pop e até Rock mas acho que na prática fora da DLY (apelido carinhoso da festa) nem sempre é fácil misturar tudo, vai muito do tipo do evento.
Sobre a Designer Numa
K: Você faz artes comerciais, logos, e em seu trabalho tem um conceito artístico único, multicolorido e que muitas vezes são conceituais, fale um pouco de sua inspiração como designer e suas referências.
N: Minha principal referência nas artes gráficas sempre foram graffiti e quadrinhos, nomes que me inspiraram a fazer o que faço são artistas como Yubia, Loish e Akira Toriyama.
Logo é um dos serviços que mais gosto de realizar, acho muito dahora sintetizar a personalidade de um projeto em algo que pode ser utilizado de diversas maneiras. É necessário traduzir o que o cliente quer e fazer algo que funcione, não basta fazer bonito para uma logo, precisa também de versatilidade e facilidade.
Militância
K: Por que você resolveu fazer parte do Coletivo Deusa e qual a relação que o feminismo tem com o seu trabalho artístico na música?
N: Sou uma das co-criadoras da Deusa, inclusive escolhi esse nome e a logo é de minha autoria. Surgiu da união de amigas produtoras na verdade, não foi “eu decidi fazer parte” e sim aconteceu pela necessidade de existir e foi um convite irrecusável de Nath e Dola . Demos o start e hoje já temos nove integrantes na organização, cada uma cumprindo com suas skills e dentro dos seus próprios limites. Eu, por exemplo, me considero o “suporte” da equipe pois faço parte de vários processos e não tenho uma função fixa. Estamos evoluindo e tendo um retorno maravilhoso, nunca tive tanto contato com mulheres e LBGT+ no mundo das batidas.
K: Você declarou que ama a cultura Hip-hop ”apesar de ser a mesma cultura que me tacou pedra por defender as mulheres contra o abuso e a violência que ainda infelizmente está presente”; que tipo de retaliação você já teve por conta de se posicionar politicamente não só na causa feminista mas como em outras questões? E como você lida com isso?
N: Já fui ameaçada ser morta na porta de um teatro, quando junto com o coletivo Banguê – que eu organizava na época – colamos em uma galera para apoiar vítima de abuso. O agressor era um dos organizadores e a ideia era ela participar do open mic com um poema sobre o tema, a ideia foi da gata e eu quis fortalecer. Nem o nome do mano ela citava na letra, mas ele não ouviu e quis impedi-la de declamar, focando em mim ao invés do próprio erro. Antes dessa situação eu tentei primeiramente contato virtual para conversar pois eu acho inadmissível o Hip-hop aceitar essas situações, também fui ameaçada ser agredida e mesmo assim busquei trocar ideia pessoalmente com o outro organizador antes do ocorrido no teatro, mas não resultou em nada além de desculpas esfarrapadas.
Já teve um bboy que sentiu no direito de vociferar um monte de merda pra mim enquanto eu fechava a pista no Paradis, visivelmente alterado e por motivos eu desconheço até hoje, pois era uma pessoa que eu admirava. Ainda depois disso em uma batalha de dança que ajudei a organizar, ficou o rolê inteiro me encarando com ódio. Veio me pedir desculpa um ano depois do que rolou por Messenger, para mim não faz sentido até hoje.
Também as incontáveis situações de DJs do circuito de festas de Rap, entre elas: ser visivelmente ignorada diversas vezes (sabe quando você vai cumprimentar a pessoa e ela simplesmente passa por você propositalmente?); ser questionada se sabia qual era a música do disco que eu estava comprando; ter cartazes de festas minhas impedidos de serem colados e arrancados; convidei um dj que havia tido atrito pelo item anterior pra uma roda de conversa (de djs, no evento Banguê, que inclusive foi uma enxurrada de machismo e de silenciamento) na ideia de dar abertura a um diálogo saudável e o mano falou mal de mim no final do evento para uma amiga minha. Enfim se for listar tudo dá pra fazer uma lista enorme e é pelo meu pavio curto que eu não estou nesse circuito, pois também não faço mais questão de estar no mesmo espaço de agressores e gente que não se importa com as pessoas.
Sobre o disco Inferno Verde
K: Por que o nome Inferno Verde?
N: Tirei esse nome do álbum “Ecos do Inferno Verde” que é um registro de áudio de diversos animais brasileiros em habitat natural, que inclusive eu sampleei pra track-tema do álbum. Essa denominação “Inferno Verde” já é utilizada para se referenciar a Amazônia faz tempo e é perfeita para descrever o Brasil, que é um lugar vasto de natureza que vem sendo destruída pelo caos social.
K: Além do aspecto musical, o disco tem um conceito de crítica social também, o que mais te motivou e como foi processo de criação do disco Inferno Verde?
N: O silêncio das pessoas brancas com quem eu convivo é o que mais me motiva a criticar, ainda a maioria de nós não emite opinião sobre o racismo e as desigualdades sociais, vive-se em um ambiente embranquecido e silenciosamente violento. Acho que é muito necessário a gente entender que isso é problema principalmente nosso, basta a gente olhar para nossa história e para nossa própria ancestralidade.
O processo foi muito legal devido a organização da Endorphins Lab, que me cativou tanto que acabei ingressando pra equipe do selo durante a criação do álbum. Tivemos um cronograma e o modo de iniciar o projeto foi pautado pelo Allb, primeiro debatemos sobre os temas e o segundo passo foi fazer uma música completa juntando os conceitos discutidos, logo depois segui fazendo várias ideias de tracks. É interessante observar agora porque esse convite foi essencial pra meu crescimento musical, principalmente para me autovalorizar, no começo teve momentos que pensei “será que vou conseguir?” e no final consegui adicionar mais faixas do que previ.
K: Para o MC, cantar é uma forma de se expressar e expor sua crítica contra as mazelas sociais; e para o Beatmaker é possível trazer reflexão, mensagem e crítica sem usar as palavras?
N: É possível para o beatmaker mas acho que sem usar palavras é difícil, agora eu tenho costume de usar diálogos que exprimem opiniões fortes. As vezes também gravo falar minhas quando não encontro algo exatamente como quero, que é o caso da minha música “Racistas” do EP MAMI.
K: Você usou samples de músicas brasileiras no disco inteiro, inclusive com colagens, por que você escolheu especificamente para esse trabalho apenas samples nacionais?
N: A música brasileira que pavimentou minha inspiração musical, eu passei vários anos sem ouvir muita música internacional, o Brasil fala alto no meu repertório e tenho muito orgulho da nossa cultura local. Além de que eu acho que precisava passar parte de mim nas músicas, o que eu sampleei são músicas que tocam na minha casa com minha família.
Parcerias e Planos
K: O que podemos esperar sobre novos trabalhos e parcerias da DJ Numa?
N: Tenho um single pra sair pela Beat Brasilis, um remix do ODB pra sair numa coletânea da ZonaExp, também estou em contato com algumas cantoras para lançamentos futuros, ano que vem já tenho um EP em mente e no meio disso tudo várias ideias a serem organizadas, por que minha cabeça está a milhão então parar por aqui não é nem de longe opção.
K: Valeu, Numa! Satisfação conhecer um pouco mais dos teus processos criativos, teus projetos e referências.
O disco também está disponível nas plataformas de streaming: Inferno verde.