Sabemos que o empreendedorismo independente não é nada fácil e é necessário muito estudo e esforço para o corre virar. Júlia Roberta da Costa, mais conhecida como Ajuliacosta, foi um belíssimo exemplo disso: diretamente de um CDHU no interior de São Paulo, aos 15 anos já customizava suas primeiras peças.
Dando toques originais à peças garimpadas de brechós, foi aos poucos ganhando destaque e vendendo para as colegas da escola. Na família, a mãe e a avó sempre foram costureiras, então, além do próprio interesse, teve essas grandes referências de casa.
Depois de três empregos formais, aos quais Júlia atribui muito de sua experiência e visão de negócio, em 2015, com 17 anos juntou todas as suas economias e fundou Ajuliacosta$hop. Além da moda, na adolescência também se encontrou no teatro, na música e no Hip-Hop e hoje todas essas paixões artísticas são expressadas através de suas peças e de sua carreira no Rap. Confira logo abaixo nosso papo com a artista!
Origem e referências
Kalamidade: Salve Julia! Agradeço muito por aceitar trocar essa ideia, é uma grande satisfação poder saber um pouco mais da sua trajetória. Queria começar falando de um ponto no texto de apresentação da Ajuliacostashop, em que você cita o Hip-Hop como o principal responsável pelo propósito da loja, já que é um gênero que dialoga diretamente com o negro. Como se deu seu encontro com o movimento e quais foram as influências que você teve na relação Hip-Hop/moda?
Ajuliacosta: Eu conheci o Hip-Hop ainda na minha adolescência, por volta dos 15 anos, e devo dizer que de fato foi ele que me trouxe Ajuliacosta, me ajudou a achar a tribo que eu pertencia e isso me trouxe muita potência. O Hip-Hop e a moda andam lado a lado, fazer parte dessa cultura agregou e influenciou no estilo que eu já tinha e me fez pensar muito diferente sobre o que é a moda, já que antes dele minha visão sobre a moda era totalmente branca. Ícones da cultura como Rihanna, Lil Kim, TLC, Destiny’s Child, Ciara, e tantas outras mulheres negras me deram um norte onde pude me encontrar.
Propósito da marca
K: No Brasil, nós presenciamos e vivenciamos o processo do povo periférico, principalmente do Funk, agregando um senso estético e versões muito únicas de marcas como Lacoste e Kenner, por exemplo, que por muito tempo não valorizaram esse movimento, e quando fizeram, já não parecia mais uma união tão verdadeira. Quando você percebeu que era necessário criar sua própria marca para representar a si e a tantas outras? E como foi a repercussão no início?
AJC: A minha percepção sobre a importância da minha marca no quesito representatividade aconteceu pelo menos 2 anos após ela de fato existir. Quando eu comecei a marca eu ainda tinha 17 anos, então de início pra mim ela ainda era só sobre mim e minhas possibilidades. Após começar a ler e entender sobre a importância da representatividade no Brasil eu pude entender a potência que tinha em minhas mãos e comecei a trazer isso pro DNA da minha marca, fazendo dela uma marca forte, de uma mulher negra para qualquer mulher negra que se sentir representada, ao contrário das grandes marcas que mesmo lucrando muito com toda a divulgação gratuita que damos à elas, ainda têm medo de se associar à nós, pretos de origem periférica, e esse medo tem nome, racismo e preconceito.
“Onde você ver um cifrão, você vai lembrar de nós”
K: Esse contrafluxo que procura ir de encontro à representatividade e longe do estereótipo eurocêntrico da moda, também acaba sendo muito artesanal, certo? O próprio Emicida fala isso sobre as coleções da Laboratório Fantasma, que a valorização dos funcionários e de uma boa matéria prima, inevitavelmente agrega valor às peças. Como é organizado seu modelo de negócio para que seja valorizado nesse aspecto?
AJC: De início minhas peças eram feitas sob encomenda, era uma forma rápida de ganhar dinheiro mas após um tempo, eu, como única costureira da marca, não dava conta, não conseguia fazer um trabalho com tanta qualidade como queria e não conseguia pensar na parte criativa ou branding da marca, que é o que de fato faz as clientes se apaixonarem. Conseguir terceirizar e ter uma equipe de confecção mudou a minha vida, com isso consegui me dedicar mais ainda na marca e principalmente na música, onde não tinha tempo nem pra sonhar, consegui agregar mais valor no meu produto e isso impactou diretamente nas minhas clientes. Claro, o preço aumentou, mas não houve questionamentos, já que a qualidade do produto fez valer o preço.
Ajuliacosta na voz
K: “Mina Chavosa” é uma das faixas que mais representa essa junção das suas principais artes, moda e música. Foi um retorno marcante, tanto no aspecto musical com o instrumental do Diabelsmusic como no audiovisual, com destaque para direção de arte da Ione Maria. Além desse trabalho, podemos ver o cuidado artístico em todas as suas produções. Fala pra gente algumas das suas referências e como é o processo de representar seu som através do visual.
AJC: Acredito que tudo começa pelo caminho que a música toma, todas as minhas músicas contam alguma história ou pensamento e eles trazem a sua vibe própria, entendendo o que a música pede é possível criar a partir daí um visual legal e que case com o que está sendo cantado. Pra mim, a música é o mood board principal para começar a pensar no audiovisual e até mesmo na roupa que será feita para esse trabalho.
“A cada rima ‘Aju’ se consagra, quando eu rimo as nova embrasa”
K: No seu projeto mais recente, “SET AJC”, que se estendeu para uma coleção na loja, vimos uma união sinistra de mulheres da cena, com participações de Mc Luanna, Mac Julia, N.I.N.A, Nanda Tsunami, Alt Niss e produção musical assinada pela Eve Hive. Como foi a concepção deste trabalho?
AJC: Um dia estava em casa e me veio a ideia de fazer uma imersão artística, pegar uma casa, juntar artistas que curto e criar. Mas eu sabia que pra isso ia precisar de dinheiro, então me juntei com minha equipe e começamos a pensar de onde sairia a verba desse projeto. Batemos na porta de diversas marcas e empresas até que uma delas decidiu nos apoiar, logo, juntei as meninas, trouxe para São Paulo e, pra mim, não podia ser outra coisa além do Funk Paulista. Conhecer todas elas para mim foi uma honra e muito aprendizado, espero em breve trazer o SET AJC 2.0.
K: Para encerrar, o que podemos esperar de novidades na AJC$hop e na música esse ano?
AJC: Esse ano eu quero conseguir trazer trabalhos com qualidade, trabalhar com produtores diferentes e não perder nenhuma venda, rs! Pra mim a música e moda andam lado a lado e espero conseguir mais oportunidades para mostrar os dois da melhor forma.
Mais uma vez, agradecemos à presença da incrível Ajuliacosta, e se você curtiu essa entrevista, corre para acompanhar o trabalho na loja, redes sociais e plataformas de streaming: AJC$hop, Instagram, Spotify e Deezer.